terça-feira, 7 de julho de 2009

Louco por ti America

Já que falei de Caetano Veloso, tem uma frase sua que adoro: “de perto ninguém é normal”. Parece aquele ditado, “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, só que tem mais precisão. O ditado diz que a loucura está lá, mas não diz onde. Já o bardo baiano dá o caminho das pedras: para descobrir a loucura alheia – ou mesmo a sua própria, se lhe convém – tem que olhar de perto.

Claro que existem loucuras óbvias, visíveis ao olho nu. Um primo meu, quando tinha seus doze, treze anos, se apaixonou pela Bulgária. Assim, sem mais nem menos. Uma noite foi dormir e quando acordou amava a Bulgária desde sempre. Isso quando ela ainda era uma pobre república socialista. Morador de Copacabana, andava por aí exaltando o Danúbio e sonhando com o verão nas praias do Mar Negro. Passou a colecionar moedas, selos, estudar a história e cultivar amigos búlgaros por correspondência. Na última vez que nos falamos antes ele ainda suspirava, nostálgico e saudoso de uma Bulgária nunca visitada.

Mas eu queria falar dos malucos discretos. Mais especificamente de Cássia, minha patrôa. Quem a conhece nem cogita uma anormalidade. Colegas de escola, do trabalho, até mesmo parentes de segundo grau só conhecem a Cássia ponderada, lúcida, de lida fácil, cheia de predicados. De perto, no entanto, descobre-se uma obsessão em flor: a meteorologia. O tempo é a primeira coisa que ela pensa pela manhã e a última antes de dormir. Quando acessa a Internet, a primeira coisa que faz é entrar nos sítios do Climatempo e Weather Channel. Um deles é, na verdade, a página inicial de seu navegador. Na rua torce o pescoço para ver todos os termômetros e briga comigo se interrompo quando a moça do tempo está na TV. Assustador.

Para tarados do gênero, os Estados unidos são um prato cheio. Lá a natureza exibe todo seu arsenal de peripécias. Tornados, furacões e nevascas se abatem sobre o país com frequência e fúria, destruindo cidades, matando gente, arruinando economias. Até mesmo tempestades de poeira já causaram catástrofes homéricas. Talvez por isso o assunto meteorologia lhes seja tão caro. As informações são fartas, disponíveis e precisas. Americanos são bons de previsão, garante Cássia. Se ela diz, para mim é ponto pacífico.

De acordo com a previsão do tempo, o final do sábado seria de nevasca forte no norte da Nova Inglaterra. Obviamente é para lá que fomos! Partimos na manhã do próprio sábado, sob promessa de fortes emoções. Os Waldmans tentavam nos demover da idéia, preocupados com minha inexperiência em dirigir sob condições hostis. Tentei explicar para eles o que é a Régis Bittencourt, principalmente aquele trecho de serra, de pista única e neblina eterna. Eles insistiam que a neve é perigosa, traiçoeira, que sem correntes nos pneus eu estava implorando procurando encrenca. Eu retrucava com as crateras da BR-116, a falta de sinalização e os caminhoneiros movidos à rebite. Deram-se por vencidos.

Pegamos a estrada como crianças em dia de excursão, excitados com tudo. Até encher o tanque era digno de nota. Cruzamos Connecticut e paramos em Springfield – a de Massachussets – para almoçar, escoltados pelo sol e debaixo de temperaturas amenas. Quando entrávamos em Vermont, a temperatura caiu drasticamente e achamos por bem colocar os casacos quando...surpresa! Não estavam lá. Esquecemos nossas únicas roupas pesadas em Portland. Assim como virava o tempo lá fora, nossa euforia se transformava numa depressão cava e profunda. Se voltássemos a nevasca nos alcançaria e ficaríamos presos nos Waldman por três dias, isto é, nove refeições sob a batuta de Phyllis E se aquele jantar houvesse sido apenas um lapso de virtuosismo?. Preferi seguir viagem. Compraríamos novos casacos em algum shopping ou outlet que encontrássemos pelos caminho.

Ironia do destino, não há shopping centers em Vermont. Parece delírio dizer que nos EUA existe um lugar avesso aos grandes magazines, aos centros de compra, mas Vermont é assim, o anti-EUA. Seus políticos e seu povo não permitem a construção deste tipo de comércio e resistem bravamente às investidas das cadeias de lojas, sedentas por sua castidade comercial. Para se ter uma idéia, o estado foi o último do país a receber um Wal-Mart, isto depois de muito assédio e disputa política. Mesmo assim o megavarejista não pode construir uma de suas infames loja-caixote à beira da estrada, foi obrigado a ocupar um imóvel abandonado no decadente downtown Bennington. Vermont perdeu a virgindade sem perder a pose.