quinta-feira, 14 de junho de 2007

Entre os Mortos



Marcão adora casas. Se ele fosse arquiteto ou apenas gay, tanto interesse até se justificaria. Como não é o caso, passa a ser tara. Se a Cris vasculhar sua gaveta de cuecas, ao invés de revistinhas dinamarquesas é capaz de encontrar exemplares da Casa Cláudia e Better Home and Gardens escondidas.




Quando a neve deu uma folga ele quis nos desenfurnar de sua casa - Cris precisava de um pouco de privacidade com a mãe e nós já estávamos ficando indóceis com a reclusão. Todos os passeios sugeridos envolviam a visitação de mansões e similares. Optamos por ir a Sleepy Hollow. Um vilarejo bucólico e sonolento, lugar inimaginável de se encontrar a meia hora de Nova York. A cidadezinha é famosa por seu cemitério onde descansam eternamente figurões como Andrew Carnegie, Walter Chrysler e William Rockfeller, entre outros. Além de defuntos célebres , abriga a lenda do cavaleiro sem cabeça, que serviu de inspiração para o filme de Tim Burton intitulado – adivinhem? - A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça.



Os magnatas estão enterrados num local magnífico, com suaves elevações, muitas árvores e um riacho que serpenteia languidamente o cenário, terminando seu trajeto no Rio Hudson. As lápides brotam sutilmente do gramado impecável e os mausoléus familiares erguem-se como imponentes monumentos. É tão arborizado que faz às vezes de parque. Famílias passeam, crianças brincam de pique e casais namoram. Os mais resolvidos podem até fazer um salutar piquenique sem parecer mórbido. Não, não, piquenique já é um pouco demais.



É uma paisagem tão agradável que os abastados não se incomodam de construir suas residências nas proximidades. A gigantesca propriedade dos Rockefeller,Kykuit , é contígua ao cemitério, onde William - que junto ao irmão John fundou um dos impérios empresariais mais famosos do mundo - está enterrado. William poderia muito bem estar enterrado não próximo, mas dentro do terreno dos Rockefeller. Ora, o sujeito construiu a casa, morou lá por toda a vida, porque não passar a eternidade no seu local predileto? Por que o sujeito, depois de morto, não pode mais desfrutar do convívio com os seus? Vira um inconveniente, despachado para passar a eternidade junto de completos desconhecidos e receber apenas de duas a três visitas por ano. Mandar um velho senil para o asilo é até compreensível, mas o morto não dá trabalho nenhum. Fica ali, decompondo-se em silêncio, servindo de adubo. É claro que não precisamos construir túmulos no quintal ornados por estátuas de anjos chorando e santas sofrendo. Mas não vejo nada de errado em enterrar o parente ao pé do limoeiro ou sob o jardim de antúrios, crisântemos e gardênias.


sábado, 2 de junho de 2007

Nova York, mas que nada!


Marcão é uma das maiores fuguras que conheço. Estudamos juntos na faculdade. Dono de uma visão do mundo peculiar e autor de frases memoráveis, tem uma personalidade contagiosa. Depois de algumas horas em contato com ele você se vê repetindo suas expressões com o mesmo falso sotaque caipira e o maxilar dolorido de tanto rir. Entra ano e sai ano, as piadas, frases e comentários são os mesmos e o mais incrível é que continuam funcionando. O mérito é justamente esse. Num mundo que muda tanto e cada vez mais rápido, Marcão é uma das poucas certezas absolutas. Um conforto para a alma.

Quando da nossa viagem, Marcão trabalhava para uma multinacional e, por conta disso, estava alocado em White Plains, lugarejo distante 45 minutos de Nova York, e lá morava com sua mulher, Cris, e o filho, Érico. Sabendo da nossa viagem, nos convidaram para ficar em seu apartamento, o que seria uma ótima base para atacar Nova York sem se engajar com os altos custos de hospedagem da Grande Maçã. Acabou sendo tão agradável passar os dias com nossos amigos expatriados que mal fomos à cidade, o que não chegou a ser uma perda sensível. Trata-se de uma das cidades mais incríveis do mundo, sem dúvida. Só que não pertence mais aos EUA, já ganhou vida própria e está além de qualquer classificação, e o objetivo da jornada era conhecer melhor os Estados Unidos. Ademais, Nova York não nos seria novidade.

Tiramos o feriado da Páscoa para falar das novidades e relembrar as mesmas histórias de sempre. Ficamos em casa. Lá fora nevava, Cris estava completamente absorta no gerenciamento do pimpolho e White Plains também não justificava um passeio. Naquele mesmo dia D. Cida, mãe da Cris, estava de chagada marcadaentão resolvemos presenteá-los, com uma lauta refeição brasileira, a base de arroz, feijão e farofa, produzida com esmero enquanto Marcão buscava a sogra e Cris corria atrás do petiz.

Nossas iguarias foram ofuscadas pela esfuziante chegada de D. Cida, que veio do brasil trazendo consigo um repeitável lombo de bacalhau do Porto. Virou, é claro, a atração. Como D. Cida passou pela alfândega com o perfumado acepipe, é um mistério. Deve ter sido tomada por uma turista européia de hábitos higiênicos duvidosos.

Comer comida brasileira no exterior, feita em casa, tem um significado simbólico, algo que vai além do conforto do paladar e da digestão. É estar em território brasileiro, como pisar dentro da embaixada. Nelson Rodrigues dizia que a gente só gosta daquilo que comia quando criança. Emendo e faço minha versão: só nos sentimos no Brasil com a nossa comida, nosso tempero.


Ah, a imagem acima é do Érico. Sua identidade está sendo preservada de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. E para ninguém colocar quebrante no menino.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Entrelinhas

Eles dizem isto:



Mas querem dizer isto: