Visitar o passado pode ser perigoso. É, como diria Nelson Rodrigues, uma janela para o infinito. Reencontrar uma antiga paixão de infância e descobrir que ficou gorda e feia, por exemplo, é uma catástrofe. Não há como dissociar a musa de outrora do bucho atual. Mata-se assim uma lembrança inestimável. Comigo aconteceu o contrário: reencontrei uma pequena que, na infância, quis ser minha namoradinha e foi sumariamente rechaçada. Era magricela, dentuça e usava óculos. E, diziam as más línguas, deixava-se “sarrar” pelos meninos no banco de trás do ônibus escolar. Dez anos depois encontrei a fulana na praia. Tinha se tornado um monumento, de causar afogamentos e quedas de ultra-leves. Não pude perdoar meu desdém infantil. Hoje passados outros vinte anos torço para encontrá-la novamente, re-enfeiada a contento.
Foi com medo de estragar as ternas lembranças de outrora que levei Cássia para conhecer Portland High School, a escola municipal que frequentei. Havia pasado por uma reforma geral mas mantinha seu estilo Bauhaus, isto é, continuava parecendo uma caixa de sapatos. As portas, que viviam abertas em 1985, agora estavam todas trancadas. Depois dos 11/9 só alunos, funcionários e visitantes autorizados podiam entrar. Miss Ponko nos recebeu à porta e fez um tour para mostrar as mudanças. No passado o nível das instalações já me surprendiam. Eu vinha de uma escola, também pública, no Brasil e o prédio - que de manhã era escola federal, à tarde estadual e à noite municipal – parecia saído do bombardeio de Dresden. Era um cortiço acadêmico. Só não tinha ratos e baratas porque os bichos temiam por sua integridade física num ambiente tão inóspito. Portland High por sua vez, era bem conservada, limpa, impecável.
Mais que a limpeza, impressionava pela aparelhagem. Fora os laboratórios completos de física, química e biologia, tinha também furadeiras, serras, tornos, elevadores hidráulicos, fornos industriais, o diabo. Por que tudo isso? Porque o ensino não se restringe à matemática, história e outras matérias que fazem parte de qualquer currículo. A escola oferece cursos profissionalizantes de marcenaria, metalurgia, mecânica automobilística, culinária e até as mais prosaicas administração do lar e corte e costura. Uma educação holística, verdadeiro ensino lato sensu. O colegial não prepara apenas para a faculdade, nem todo aluno tem aptidão, paciência ou mesmo vontade de perseguir uma formação universitária. Dão-se por satisfeitos com as profissões mais prosaicas, que dispensam ensino superior. Uma escola democrática tem que pensar neles também. Até porque, como diz o Jacó da piada, se todos entrarem na faculdade “quem vai ficar tomando conta do lojinha?”
Recentemente surgiram novos cursos, adaptados às modernidades: microeletrônica, tecnologia da informação, cuidado de bebês. Cuidar de bebês não é exatamente uma tarefa moderna, mas a julgar pela epidemia de gravidez adolescente que se espalhou pela América, faz-se necessário (ou talvez esteja até servindo de estímulo para a prenhez precoce...). Os equipamentos continuam sendo estado-da-arte. De primeira também é o novo auditório, uma sala com sonorização e iluminação profissional, acústica impecável e assentos confortabilíssimos como colo de avó.
Mesmo com todas as inovações, benfeitorias e upgrades, Miss Ponko estava melancólica, macambúzia. Falava dos seus pupilos com desesperança e resignação. Achava que muito foi investido não porque era necessário e sim para atender às vontades dos adolescentes cada vez mais mimados. “Se não colocarmos computadores, projetarmos filmes e fizermos atividades lúdicas, ninguém presta atenção nas aulas”, choramingou. Mais do que isso, lamentava a morte das vocações e dos ideais juvenis. “Hoje o aluno não sonha com uma profissão. Para escolher o futuro, querem saber que carreira paga mais”. Com jovens desses, não é de se espantar que Ponko nunca se interessou em procriar, ficando para Miss.
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