O almoço tardio era um anteparo contra a culinária maltratante de Phyllis, mas não escaparíamos do jantar. Isso nunca. Tratando-se de uma mãe judia, mesmo sem talento, seria uma desfeita sem tamanho. Chegando com o bucho cheio teríamos ao menos o álibi perfeito para fazer um prato frugal e evitar repetições.
Duas horas após deixar Mystic estácionávamos na garagem dos Waldman, que já aguardavam ansiosamente na sala de estar. A última vez que haviamos estado juntos foi oito anos antes. Junto deles estava Miss Ponko, minha professora predileta dos dias de Portland High School, que não via desde minha partida, em 1985. Predileta porque, de todos os mestres, era a única que via minhas idiossincrasias brasileiras com carinho e interesse. A professora de matemática, Mrs. Ford, tomou antipatia por mim quando na prova usei a fórmula de Bhaskara (não me olhe torto. Se você, leitor, concluiu o ensino médio, também aprendeu isso) para resolver equações de segundo grau, coisa que seus pupilos ainda não haviam aprendido. Achou que eu estava querendo aparecer. Mr. Santorini, teimava em me perguntar sobre touradas, mesmo eu sempre respondendo que no Brasil não há tal coisa. Ou estava mentindo, ou não ia nas arenas por ser um maricas, era o que seu sorriso dizia. Já o professor de educação física, Mr. Goodman, não pode conter a decepção ao perceber que eu não era a Grande Esperança Brasileira de sua equipe de futebol. Miss Ponko, ao contrário, fazia de tudo para que me sentisse integrado e estimulado. E foi com ela que produzi uma pérola do folclore estadunidense.
Era 1985 e não havia Internet. A juventude americana vivia o esplendor de sua ignorância. O Brasil era para eles um mistério completo e absoluto. Não faziam a menor idéia de onde era geograficamente, que língua falava e em que estágio civilizatório se encontrava. Perguntavam as coisas mais cândidas e idiotas. Tratavam como se fosse um lugar selvagem, onde macacos, girafas, ursos, leões e toda sorte de animal – inclusive os extintos – circulavam livremente por entre os transeuntes. Mais ou menos como nós imaginávamos (ou ainda imaginamos) a África. Eu costumava responder com invencionices, quanto maior mais os colegas se aglomeravam à minha volta, ávidos e fascinados pelos mitos tropicais. Num dia inspirado, logo após a aula de biologia, inventei uma tribo de índios que vivia na floresta amazônica, índios com três olhos - todos na cabeça, é bom notar. Miss Ponko estava por perto e confirmou a história, subestimando o potencial dos seus pupilos. Logo a fábula correu a escola e começaram a procurar a mestra para obter mais detalhes. Para evitar um estrago maior naquelas cabecinhas vacilantes, Miss Ponko achou por bem desmentir o causo. Enfrentou muita resistência por parte dos petizes.
quinta-feira, 26 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
Connectando
Enfim, Connecticut. O “Estado da Constituição”. Todo estado americano ganha um apelido, quer dizer, não é bem um apelido. Parece mais um sub-título, assim como fazem com os livros por aqui. Não basta só o nome, precisam de explicação para não deixar dúvidas: “Bíblia Sagrada: uma saga judaico-cristã”. Os sub-títulos dos estados constam nas placas dos automóveis. Nova York, por exemplo é o Estado Imperial (que serviu de inspiração para batizar seu edifício mais importante); Rhode Island é o Estado Oceânico, manobra de marketing turístico para atrair marujos e similares. Já a alcunha de Connectitut diz respeito à sua constituição, elaborada em 1638, considerado por alguns como a primeira da história mundial. Pioneirismo é coisa levada muito a sério nos EUA. Se o lugar foi o primeiro em alguma coisa, faz questão de divulgar, de preferência através de um grande outdoor na sua fronteira: “Bem vindo a Fimdomundoville, terra do primeiro aspirador de pó portátil”. Ah, vale lembrar que Connecticut, além da primeira constituição, produziu também o primeiro charuto, pente de cabelo, chapéu e palito de fósforo da América. Como se pode ver, a disputa pelo apelido oficial foi acirrada.
Com os cabelos ao vento e charuto apagado, entramos em Connecticut. Paramos em Mystic para almoçar e tomar uma cerveja decente. Na ida já havia flertado com a cidadezinha, por dois motivos: primeiro a ponte levadiça que passa sobre a entrada de seu pequeno porto. Pontes assim são feitos de engenharia irresistíveis, assim como elevadores panorâmicos e tobogãs. Quando começam a se abrir, evocam perseguições cinematográficas e despertam o Evil Knievel que existe em cada um.
O segundo motivo era seu próprio nome. Há pouco falei de Nova York, Texas, que pode ser um destino irrelevante, mas o nome faz de seus cidadãos novairoquinos legítimos – o que não é pouco. Mystic, por sua vez, afunda a cidade em brumas densas e permanentes, provoca desaparecimentos misteriosos e inocula seus habitantes com segredos indizíveis. Parece saída de um conto de Poe, ou de H.P. Lovecraft: “Anoiteceu. De repente, um grito terrível corta a escuridão . E das trevas surgia uma outra Mystic...”
Sinistro. Mas ainda estava claro e precisávamos almoçar. Diria até que o almoço era fundamental, já nos encaminhávamos para a casa dos Waldmans. Phyllis sempre foi acolhedora, hospitaleira, recebendo com toalhas limpas e cobertores felpudos. Mas o que saía de sua cozinha...valha-me São Lourenço! Aquela comida, se servida no exército arrasaria com a moral das tropas; num presídio, seria motivo de rebeliões. Quando ela fazia hambúrguer eu tentava dar escondido para o gato, mas ele recusava. Pegou até raiva de mim, o bichano. E o pior é que os hamburgueres eram sua piéce de resistance. Eles são um dos poucos pesadelos recorrentes que tenho.
Com os cabelos ao vento e charuto apagado, entramos em Connecticut. Paramos em Mystic para almoçar e tomar uma cerveja decente. Na ida já havia flertado com a cidadezinha, por dois motivos: primeiro a ponte levadiça que passa sobre a entrada de seu pequeno porto. Pontes assim são feitos de engenharia irresistíveis, assim como elevadores panorâmicos e tobogãs. Quando começam a se abrir, evocam perseguições cinematográficas e despertam o Evil Knievel que existe em cada um.
O segundo motivo era seu próprio nome. Há pouco falei de Nova York, Texas, que pode ser um destino irrelevante, mas o nome faz de seus cidadãos novairoquinos legítimos – o que não é pouco. Mystic, por sua vez, afunda a cidade em brumas densas e permanentes, provoca desaparecimentos misteriosos e inocula seus habitantes com segredos indizíveis. Parece saída de um conto de Poe, ou de H.P. Lovecraft: “Anoiteceu. De repente, um grito terrível corta a escuridão . E das trevas surgia uma outra Mystic...”
Sinistro. Mas ainda estava claro e precisávamos almoçar. Diria até que o almoço era fundamental, já nos encaminhávamos para a casa dos Waldmans. Phyllis sempre foi acolhedora, hospitaleira, recebendo com toalhas limpas e cobertores felpudos. Mas o que saía de sua cozinha...valha-me São Lourenço! Aquela comida, se servida no exército arrasaria com a moral das tropas; num presídio, seria motivo de rebeliões. Quando ela fazia hambúrguer eu tentava dar escondido para o gato, mas ele recusava. Pegou até raiva de mim, o bichano. E o pior é que os hamburgueres eram sua piéce de resistance. Eles são um dos poucos pesadelos recorrentes que tenho.
Garçom! Uma Gansett, faixfavoire.
Antes de partir definitivamente de Rhode Island precisei satisfazer uma curiosidade. Tenho uma coleção de rótulos de cerveja, muitas que deixaram de ser fabricadas. Uma delas é a Narragansett, que fechou suas portas em 1981. No entanto a América vive um revival e cervejas andam ressucitando como Lázaros engarrafados, país afora. Inclusive a “Gansett” como é carinhosamente chamada.
Ela já foi a cerveja mais popular da Nova Inglaterra. Teve participação especial no filme Tubarão (era a marca que Quint, o caçador de tubarões, bebia). Diz a lenda que na sua fábrica os funcionários não só podiam beber durante o expediente como, quando flagrados com uma garrafa de refrigerante, recebiam automaticamente uma cerveja em troca. Quer dizer, motivos não faltavam para simpatizar com a marca. E, por uma incrível coincidência do destino, a cidade de Narragansett fica em frente à Newport, do outro lado da baía.
Com essa história comovente, convenci Cássia a desviarmos de nosso caminho e perder algumas horas. Eu tinha um dever, uma responsabilidade histórica e moral de ir até Narragansett, tomar uma Narragansett. Tudo bem que a história não era completamente verdade, a cerveja nunca deixou de ser produzida. Passou sim uma longa temporada sendo fabricada por outra empresa em outro lugar. Apenas detalhes, detalhes.
Chegamos em Narragansett debaixo de forte chuva e um frio cão. Parei num posto de gasolina e comprei uma garrafa do cobiçado suco de cevada. Fomos até o a praia onde o inclemente Atlântico Norte castigava com ondas as pedras e as muretas de proteção. A pequenina cidade parecia se esconder da tempestade furiosa. O vento uivava pelas frestas do carro. Coloquei a capa de chuva, saí com minha garrafa de Narragansett Lager. Ainda gelada. O vento era tão feroz que mal deu para ouvir o barulho do gás quando girei a tampa. Dei, enfim, o primeiro gole.
Que cervejinha de merda!
.
.
Ela já foi a cerveja mais popular da Nova Inglaterra. Teve participação especial no filme Tubarão (era a marca que Quint, o caçador de tubarões, bebia). Diz a lenda que na sua fábrica os funcionários não só podiam beber durante o expediente como, quando flagrados com uma garrafa de refrigerante, recebiam automaticamente uma cerveja em troca. Quer dizer, motivos não faltavam para simpatizar com a marca. E, por uma incrível coincidência do destino, a cidade de Narragansett fica em frente à Newport, do outro lado da baía.
Com essa história comovente, convenci Cássia a desviarmos de nosso caminho e perder algumas horas. Eu tinha um dever, uma responsabilidade histórica e moral de ir até Narragansett, tomar uma Narragansett. Tudo bem que a história não era completamente verdade, a cerveja nunca deixou de ser produzida. Passou sim uma longa temporada sendo fabricada por outra empresa em outro lugar. Apenas detalhes, detalhes.
Chegamos em Narragansett debaixo de forte chuva e um frio cão. Parei num posto de gasolina e comprei uma garrafa do cobiçado suco de cevada. Fomos até o a praia onde o inclemente Atlântico Norte castigava com ondas as pedras e as muretas de proteção. A pequenina cidade parecia se esconder da tempestade furiosa. O vento uivava pelas frestas do carro. Coloquei a capa de chuva, saí com minha garrafa de Narragansett Lager. Ainda gelada. O vento era tão feroz que mal deu para ouvir o barulho do gás quando girei a tampa. Dei, enfim, o primeiro gole.
Que cervejinha de merda!
.
.
sexta-feira, 20 de março de 2009
O teu cabelo não nega, mulata
“Terra de contrastes” é um termo que cabe em qualquer país e nos Estados Unidos não é diferente. Num lado existe o moralismo quase medieval, capaz de caçar bruxas e queimar livros; no outro uma indústria pornográfica pujante e, porque não dizer, latejante. A cultura do descartável, que bebe tudo em copos plásticos e joga fora televisores que ainda funcionam convive com porões são abarrotados de velharias e coleções das mais inusitadas. Numa mesma esquina, comendo um prosaico cachoro-quente podemos encontrar um prêmio Nobel e uma besta incapaz de identificar o próprio país no mapa mundi. E no meio dos politicamente corretos escondem-se sujeitos como Don Imus.
Don Imus é um canalha com firma reconhecida e lavrado em cartório. Exercita a canalhice diariamente em seu programa de rádio e TV, intitulado Imus Pela Manhã. Sendo os EUA uma democracia, todos - homossexuais, pretos, judeus, gordos, carecas ou qualquer outra categoria, seja ela tradicional vítimas de preconceitos ou não - recebem sua cota de impropérios matinais.
É popularíssimo. Os ouvintes se deliciam quando os comentários preconceituosos e mal-educados de Imus são desferidos nos outros, seja por conta de sua cor, religião, cidade natal ou tamanho do nariz. Mas dada à amplitude de sua língua ferina, eventualmente são eles próprios vítimas do canalha. Então trocam o riso cruel pela indignação. E assim o programa se sustenta, do sado-masoquismo auditivo da platéia.
É popularíssimo. Os ouvintes se deliciam quando os comentários preconceituosos e mal-educados de Imus são desferidos nos outros, seja por conta de sua cor, religião, cidade natal ou tamanho do nariz. Mas dada à amplitude de sua língua ferina, eventualmente são eles próprios vítimas do canalha. Então trocam o riso cruel pela indignação. E assim o programa se sustenta, do sado-masoquismo auditivo da platéia.
Por aqueles dias houve uma final de basquete feminino, entre as universidades de Rutgers e Tennessee. Na América os esportes universitários recebem um tratamento – perdão o trocadilho – profissional , não só pela afinidade que as pessoas têm com as escolas, mas principalmente porque eles são a porta de acesso para as ligas profissionais. A peleja em questão não teve nada de excepcional, sem cesta no último segundo nem enterradas espetaculares. O que fez dele interessante foram os comentários de Imus e seus asseclas.
Para Imus a graça estava, obviamente, nas derrotadas: “E olha que são garotas da pesada, têm tatuagens e tal” – comentou. Até aí nenhum absurdo: enquanto a maioria das moças se decoram com orquídeas, beija-flores e anjinhosas jogadoras de Rutgers ostentavam verdadeiras pintura de guerra. “São hoes barra-pesada!” disse um outro comentarista. Aí é que começou o imbroglio. Hoe é uma gíria usada pelos cantores de rap para designar as mulheres. É diminutivo de whore, que significa prostituta. Algo parecido com o cachorra usado pelos funkeiros do Brasil. De uma simpatia sem limite. Assim como o termo nigger, é usado sem contrangimento pelos pretos, mas quando saídos da boca de um branco, torna-se uma ofensa descomunal. O caldo entornou de vez quando Imus, já com a verve descontrolada, vaticinou “São hoes de cabelo pixaim”. E completou: "Olha que as meninas do Tennessee são até bonitnhas...”.
A coisa se alastrou como fogo de palha. Os mais inflamados queriam chupar-lhe a carótida. O Reverendo Al Sharpton, profissional da encrenca, mobilizou manifestantes que saíram às ruas com cartazes e palavras de ordem. A turma do deixa-disso tentava apaziguar os ânimos dizendo tratar-se de apenas mais uma das estripulias politicamente incorretas de Imus. Este ainda foi a público se desculpar, meio que a contragosto. Em vão, os ofendidos ganaharam a parada e Imus perdeu seu programa. O curioso é que nada aconteceu com seu colega, aquele que primeiro chamou as moças de cachorras. Ficou a impressão que foi o comentário sobre o pixaim que nocauteou Imus. Pior que o racismo, é o preconceito estético-capilar.
Pocket Renoir
Inebriado pelos eflúvios de grandeza dos robber barons, paramos numa loja especializada em casas de boneca. Não eram brinquedos e sim réplicas das mansões da Bellevue e de outras grandes residências, nos mais variados estilos de arquitetura. À venda também os móveis , apetrechos e utensílios que gurnecem essas casas, tudo em tamanho diminuto. A preocupação com o detalhamento beira o patológico tamanha obsessão com a fidelidade ao mundo real. O que se imaginar eles têm. Se não tiverem, se comprometem em fabricar, mesmo que seja uma nano-escova de cabelo da era vitoriana ou o cãozinho de alguma dondoca de outrora, esse sim um legítimo poodle toy. A dona da loja estava especialmente entusiasmada naquele dia pois conseguira um artista capaz de miniaturizar as telas dos grandes mestres para decorar as paredes das casinholas mais abastadas. Have the holy patience!
Monsieur, s'il vous plait
Lembro de ter dito que os magnatas de outrora veraneavam em Newport, só que não entrei em detalhes. Então, aos detalhes!
No final do século XIX os Estados Unidos viviam os Anos Dourados, período em que os barões da indústria - nomes como Rockfeller, Vanderbilt, Carnegie, Melon - ganharam contornos míticos, graças ao poder e às fortunas indecentes que amealharam explorando petróleo, mineração, estradas de ferro e afins.
Ostentar era a palavra de ordem. Eles, os ricaços, elegeram Newport, para um disputa informal de quem construia a mansão mais nababesca. Mais especificamente a Avenida Bellevue, do outro lado da península, voltada para o mar aberto. Os Berwind apresentaram uma singela cópia do Chatêau d’Asnieres; os Oelrichs se inspiraram no Grand Trianon de Versailles; William Vanderbilt gastou quinze mil metros cúbicos de mármore para revestir o palacete que serviu de presente para a patrôa no seu (dela) 39° aniversário. O troféu foi para seu irmão Cornellius, com um palazzo renascentista, com nome de conjunto de R&B: The Breakers.Palmas Para Cornellius!
Algumas das mansões podem ser alugadas como locação para filmes e fotos, casamentos de popstars, festas de arromba e outros eventos perdulários, mantendo a tradição de exibicionismo e exagero do local. A maioria, no entanto, fatura oferecendo ao grande público tours guiados.Fomos conhecer os Breakers que, diga-se de passagem, cobra uma tarifa desavergonhada pelo passeio. Você acha que Cornellius, capitalista dos quatro costados, iria perder a chance de nos explorar? Nem morto!
O grupo do qual fizemos parte era composto de um punhado de ameircanos, um trio de chineses e uma família de franceses, facilmente identificáveis por serem os únicos (além de nós, que fique registrado) com as calças abaixo do umbigo. E também porque falavam francês.
A casa era realmente impressionante, mas ao contrário dos museus, não podíamos degustá-la no nosso ritmo, tinhamos que nos manter no rebanho. Passei então a prestar atenção nas pessoas do grupo. Os chineses, por exemplo, se transformaram nos chatos do passeio. A cada mudança de aposento ficavam para trás e quando presentes conversavam em voz alta. Deviam estar confabulando sobre quais objetos iriam copiar em larga escala para a venda nos camelôs de todo planeta. Os franceses, por sua vez, me fascinaram. Era uma família de seis – pai, mãe e quatro filhos. Silenciosos, atentos às explicações da guia e obedientes às regras, mesmo os dois filhos menores, crianças ainda em fase de algazarra. Mais do que o comportamento, admirava a fleuma inabalável com que ouviam a cicerone falar das obras de arte ou de móveis francêses. Ninguém da família se entreolhava, nenhum sorriso cúmplice, impassíveis. Nós, se ouvissemos o nome do Brasil - mesmo que fosse para falar de alguma doença tropical que houvesse matado um Vanderbilt com terrível sofrimento - encheríamos o peito e passaríamos o resto do tour com um sorriso orgulhoso estampado no semblante.
O passeio terminava com a visita – esta, sem controle de tempo – aos majestosos jardins do palacete onde os visitantes podiam, enfim, dar vazão ao seus ímpetos fotográficos, já que eles são proibidos no interior da mansão. Para a inevitável foto com a patrôa, não resisti à vontade de me aproximar e recorri à família gaulesa com a máquina e meu simplório francês. Queria que eles soubessem que eu era um brasileiro francófilo e aculturado. Latino americano porém limpinho. Ademais, sabemos que os franceses retribuem abordagens em inglês com suas proverbiais bufadas. O solícito patriarca, no entanto, me respondeu em inglês cristalino. Continuei pedindo em francês e ele aceitando em inglês. Não sei se era respeito por estar num país anglófono. Mais provável que fosse para me poupar do ridículo de expor minha fluência macarrônica na sua língua. Ah, como são gentis, os franceses.
No final do século XIX os Estados Unidos viviam os Anos Dourados, período em que os barões da indústria - nomes como Rockfeller, Vanderbilt, Carnegie, Melon - ganharam contornos míticos, graças ao poder e às fortunas indecentes que amealharam explorando petróleo, mineração, estradas de ferro e afins.
Ostentar era a palavra de ordem. Eles, os ricaços, elegeram Newport, para um disputa informal de quem construia a mansão mais nababesca. Mais especificamente a Avenida Bellevue, do outro lado da península, voltada para o mar aberto. Os Berwind apresentaram uma singela cópia do Chatêau d’Asnieres; os Oelrichs se inspiraram no Grand Trianon de Versailles; William Vanderbilt gastou quinze mil metros cúbicos de mármore para revestir o palacete que serviu de presente para a patrôa no seu (dela) 39° aniversário. O troféu foi para seu irmão Cornellius, com um palazzo renascentista, com nome de conjunto de R&B: The Breakers.Palmas Para Cornellius!
Algumas das mansões podem ser alugadas como locação para filmes e fotos, casamentos de popstars, festas de arromba e outros eventos perdulários, mantendo a tradição de exibicionismo e exagero do local. A maioria, no entanto, fatura oferecendo ao grande público tours guiados.Fomos conhecer os Breakers que, diga-se de passagem, cobra uma tarifa desavergonhada pelo passeio. Você acha que Cornellius, capitalista dos quatro costados, iria perder a chance de nos explorar? Nem morto!
O grupo do qual fizemos parte era composto de um punhado de ameircanos, um trio de chineses e uma família de franceses, facilmente identificáveis por serem os únicos (além de nós, que fique registrado) com as calças abaixo do umbigo. E também porque falavam francês.
A casa era realmente impressionante, mas ao contrário dos museus, não podíamos degustá-la no nosso ritmo, tinhamos que nos manter no rebanho. Passei então a prestar atenção nas pessoas do grupo. Os chineses, por exemplo, se transformaram nos chatos do passeio. A cada mudança de aposento ficavam para trás e quando presentes conversavam em voz alta. Deviam estar confabulando sobre quais objetos iriam copiar em larga escala para a venda nos camelôs de todo planeta. Os franceses, por sua vez, me fascinaram. Era uma família de seis – pai, mãe e quatro filhos. Silenciosos, atentos às explicações da guia e obedientes às regras, mesmo os dois filhos menores, crianças ainda em fase de algazarra. Mais do que o comportamento, admirava a fleuma inabalável com que ouviam a cicerone falar das obras de arte ou de móveis francêses. Ninguém da família se entreolhava, nenhum sorriso cúmplice, impassíveis. Nós, se ouvissemos o nome do Brasil - mesmo que fosse para falar de alguma doença tropical que houvesse matado um Vanderbilt com terrível sofrimento - encheríamos o peito e passaríamos o resto do tour com um sorriso orgulhoso estampado no semblante.
O passeio terminava com a visita – esta, sem controle de tempo – aos majestosos jardins do palacete onde os visitantes podiam, enfim, dar vazão ao seus ímpetos fotográficos, já que eles são proibidos no interior da mansão. Para a inevitável foto com a patrôa, não resisti à vontade de me aproximar e recorri à família gaulesa com a máquina e meu simplório francês. Queria que eles soubessem que eu era um brasileiro francófilo e aculturado. Latino americano porém limpinho. Ademais, sabemos que os franceses retribuem abordagens em inglês com suas proverbiais bufadas. O solícito patriarca, no entanto, me respondeu em inglês cristalino. Continuei pedindo em francês e ele aceitando em inglês. Não sei se era respeito por estar num país anglófono. Mais provável que fosse para me poupar do ridículo de expor minha fluência macarrônica na sua língua. Ah, como são gentis, os franceses.
As roupas e as armas de George
No segundo dia, conformados com nosso destino, fomos passear de carro e conhecer as mansões que margeiam seu extenso e recortado litoral. Enquanto degustávamos o momento People and Arts, vislumbramos uma torre gótica que se destacava no horizonte, imponente no topo de um morro. Não poderia ser um castelo medieval, mas nada impedia que fosse um mosteiro ou coisa que o valha. História - ou pelo menos uma boa história – salvaria o dia.
A tal torre era de uma capela episcopal, que por sua vez pertence à uma escola particular. St. George é um colégio interno para os ricos e famosos, do tipo em que os alunos usam paletó e gravata. O ensino até que é esmerado, as turmas são de no máximo 12 alunos (portanto, nada de turma do fundão!) e as aulas são ministradas usando o método Harkness, que estimula as discussões entre alunos e professores. Mas a escola é famosa pelo sítio onde está instalada: 123 acres de gramado impecavelmente verde com vista para três praias e praticamente toda a baía de Sachuest. Pela bagatela de quarenta mil dólares anuais você pode mandar seu pimpolho para lá.
Entramos na escola sem nenhuma identificação. Era dia de jogo, muitos pais estavam nas torcidas, facilitando nossa invasão. Os alunos estavam espalhados por todo campus, engajados em diferentes esportes. Nas aulas de educação física da minha infância jogávamos apenas futebol, basquete, vôlei. O mais próximo que chegávamos do atletismo era brincando de pique, no recreio. Em St. Georges a petizada joga beisebol, hóquei, lança dardo, martelo, salto em altura - com e sem vara! -, correm com obstáculos e o que mais puder gerar medalhas olímpicas algum dia.
A atração do dia eram as partidas intercolegiais de lacrosse, um esporte que lembra o handebol, mas que a bola, pequena, é lançada por meio de um bastão com uma rede na ponta. Muito popular por conta do alto grau de truculência, bastante contato físico e inevitáveis raquetadas desferidas na cabeça do adversário. Para os americanos, quanto mais romano o esporte, melhor. Eram dois jogos simultâneos, o da equipe varsity – com o supra sumo dos atletas – e junior varsity, onde jogam os novatos e escondem-se os cabeças de bagre. Assistimos um pouco do jogo da primeira divisão, mais viril. O problema era o vento, que fustigava nossas cabeças, inclemente. Cássia implorava para que voltássemos para o carro. Só quando uma raquetada abriu o supercílio de um moleque, saciei minha sede de sangue e topei ir embora.
Antes de partir, visitamos a tal capela com ares de catedral. O tamanho interno e a austeridade decepcionaram ante a suntuosidade do seu exterior. Para quem está acostumado com a riqueza dos adereços nas igrejas católicas, as protestantes parecem tribunal de juri. Nas paredes de pedras, estavam inscritos os nomes dos mestres passados e dos que fizeram generosas contribuições. Os que, como dizia Led Zepellin, compraram sua Stairway to Heaven. E, sobre a pesada porta de madeira, uma frase sintetizava o ethos americano: Ora et Labora.
A tal torre era de uma capela episcopal, que por sua vez pertence à uma escola particular. St. George é um colégio interno para os ricos e famosos, do tipo em que os alunos usam paletó e gravata. O ensino até que é esmerado, as turmas são de no máximo 12 alunos (portanto, nada de turma do fundão!) e as aulas são ministradas usando o método Harkness, que estimula as discussões entre alunos e professores. Mas a escola é famosa pelo sítio onde está instalada: 123 acres de gramado impecavelmente verde com vista para três praias e praticamente toda a baía de Sachuest. Pela bagatela de quarenta mil dólares anuais você pode mandar seu pimpolho para lá.
Entramos na escola sem nenhuma identificação. Era dia de jogo, muitos pais estavam nas torcidas, facilitando nossa invasão. Os alunos estavam espalhados por todo campus, engajados em diferentes esportes. Nas aulas de educação física da minha infância jogávamos apenas futebol, basquete, vôlei. O mais próximo que chegávamos do atletismo era brincando de pique, no recreio. Em St. Georges a petizada joga beisebol, hóquei, lança dardo, martelo, salto em altura - com e sem vara! -, correm com obstáculos e o que mais puder gerar medalhas olímpicas algum dia.
A atração do dia eram as partidas intercolegiais de lacrosse, um esporte que lembra o handebol, mas que a bola, pequena, é lançada por meio de um bastão com uma rede na ponta. Muito popular por conta do alto grau de truculência, bastante contato físico e inevitáveis raquetadas desferidas na cabeça do adversário. Para os americanos, quanto mais romano o esporte, melhor. Eram dois jogos simultâneos, o da equipe varsity – com o supra sumo dos atletas – e junior varsity, onde jogam os novatos e escondem-se os cabeças de bagre. Assistimos um pouco do jogo da primeira divisão, mais viril. O problema era o vento, que fustigava nossas cabeças, inclemente. Cássia implorava para que voltássemos para o carro. Só quando uma raquetada abriu o supercílio de um moleque, saciei minha sede de sangue e topei ir embora.
Antes de partir, visitamos a tal capela com ares de catedral. O tamanho interno e a austeridade decepcionaram ante a suntuosidade do seu exterior. Para quem está acostumado com a riqueza dos adereços nas igrejas católicas, as protestantes parecem tribunal de juri. Nas paredes de pedras, estavam inscritos os nomes dos mestres passados e dos que fizeram generosas contribuições. Os que, como dizia Led Zepellin, compraram sua Stairway to Heaven. E, sobre a pesada porta de madeira, uma frase sintetizava o ethos americano: Ora et Labora.
Navegar é preciso
Com 3 dias na mão, não podíamos ir muito longe. Pensamos em visitar Nantucket, Cape Cod ou Martha’s Vineyard, onde a aristocracia americana ancora seus iates e passa as férias, decidindo o destino do mundo entre um scotch e outro. Acabamos em Newport, Rhode Island, mais próximo de Portland e também porto da elite em veraneio.
Eu já havio estado em Newport, levado pelos meus dios. Naquele verão de 1985 a cidade fervilhava com os barcos, salpicando de branco a imensa baía de Narragansett. Embarcações de fino trato misturavam-se com as esportivas (Newport tem larga tradição náutica, hospedou por décadas a America’s Cup). Lembro-me especialmente de uma loja especializada em bandeiras, onde comprei uma pequena, de Connecticut. Que nem era a mais bonita. Fui um adolescente puxa-saco, confesso.
Agora, de volta, tudo estava diferente. Diz o poeta que nunca entramos duas vezes no mesmo rio. Talvez fosse a época do ano, talvez fosse eu mais impressionável quando guri, só sei que não pude conter minha decepção neste retorno à Newport. Um deserto. A mais pura síntese da expressão “baixa-temporada”. Barcos ancorados, velas recolhidas e cobertos por lonas, como móveis numa casa fechada. O céu acinzentado, a baía vazia ao fundo e o sossego sepulcral, compunham uma cena melancólica, digna das tintas de Edward Hopper. Certas cidades têm alma, que emana de suas ruas, edifícios ou da natureza ao redor. Outras só têm vida com gente dentro. Newport é do segundo tipo, uma fantaisa de marinheiro esperando o folião.
Contagiados pelo clima anestésico, andávamos a esmo pela cidade, com olhar bovino e distante. Haviam alguns outros turistas, que reencontrávamos nos pontos turístico inevitáveis. Depois de um tempo já nos cumprimentávamos com triste cumplicidade. Um breve meneio de cabeça com um sorriso amarelo que dizia “que merda, não?”.
Isto é, quando havia alguém para cumprimentar. No Fort Adams, por exemplo, não havia uma única viv’alma. Ninguém. Apesar de desativada, é a maior fortificação da costa americana e nós entramos e saímos sem ser incomodados. Para aqueles que pretendem invadir os Estados Unidos sem encontrar resistência, e precisam de um lugar para se aquartelar, fica aí uma dica: Fort Adams.
Eu já havio estado em Newport, levado pelos meus dios. Naquele verão de 1985 a cidade fervilhava com os barcos, salpicando de branco a imensa baía de Narragansett. Embarcações de fino trato misturavam-se com as esportivas (Newport tem larga tradição náutica, hospedou por décadas a America’s Cup). Lembro-me especialmente de uma loja especializada em bandeiras, onde comprei uma pequena, de Connecticut. Que nem era a mais bonita. Fui um adolescente puxa-saco, confesso.
Agora, de volta, tudo estava diferente. Diz o poeta que nunca entramos duas vezes no mesmo rio. Talvez fosse a época do ano, talvez fosse eu mais impressionável quando guri, só sei que não pude conter minha decepção neste retorno à Newport. Um deserto. A mais pura síntese da expressão “baixa-temporada”. Barcos ancorados, velas recolhidas e cobertos por lonas, como móveis numa casa fechada. O céu acinzentado, a baía vazia ao fundo e o sossego sepulcral, compunham uma cena melancólica, digna das tintas de Edward Hopper. Certas cidades têm alma, que emana de suas ruas, edifícios ou da natureza ao redor. Outras só têm vida com gente dentro. Newport é do segundo tipo, uma fantaisa de marinheiro esperando o folião.
Contagiados pelo clima anestésico, andávamos a esmo pela cidade, com olhar bovino e distante. Haviam alguns outros turistas, que reencontrávamos nos pontos turístico inevitáveis. Depois de um tempo já nos cumprimentávamos com triste cumplicidade. Um breve meneio de cabeça com um sorriso amarelo que dizia “que merda, não?”.
Isto é, quando havia alguém para cumprimentar. No Fort Adams, por exemplo, não havia uma única viv’alma. Ninguém. Apesar de desativada, é a maior fortificação da costa americana e nós entramos e saímos sem ser incomodados. Para aqueles que pretendem invadir os Estados Unidos sem encontrar resistência, e precisam de um lugar para se aquartelar, fica aí uma dica: Fort Adams.
quinta-feira, 19 de março de 2009
Portland? Do que?
Portland era a próxima parada. Portland, Connecticut. É preciso ser específico já que a Portland mais famosa fica no Oregon, do outro lado do país. E além destas duas ainda existem outras onze. Treze Portlands! Os imigrantes realmente não acreditavam que aquelas colônias iriam fazer todas parte de um único país. Batizavam as cidades sem se preocupar com o que se fazia na vizinhança. Surgiram então Pleasantvilles por todos os lados, Glendales aos borbotões e Riversides brotaram à beira dos rios como mato. A campeã é Springfield, com 25 exemplares (Por isso os autores d’Os Simpsons elegeram-na como cidade natal de Homer e família. Como pode ser em qualquer lugar, ninguém se sente ofendido - ou orgulhoso - pela conterraneidade).
Ninguém escapa. Phildelphia, que eu imaginava uma só, são dez. Também são dez as Bostons. Em geral os nomes são homenagem à terra natal, deixada no Velho Continente: York, Hampshire, Oxford, Cambridge. Alguns casos são de admiração por cidades prósperas, como Paris, Illinois, ou mesmo um desejo de exotismo tropical, como Brazil, Indiana. Outros nomes se repetem por que são funcionais, como Portland. A Terra do Porto, simples assim. No Brasil os portos são alegres, velhos, felizes e seguros. Lá são só portos.
Em certos casos a homonimía é o maior patrimônio da cidade. Que os digam os vinte habitantes da pequenina Nova York, Texas. Novaiorquinos puros, legítimos!
Mas era de Portland que eu falava. Aquela de Connecticut me interessava em especial porque vivi lá nos meus tenros quinze anos, numa espécie de intercâmbio intra-familiar. Morei por seis meses na casa d’uns primos de terceiro, quarto grau. Na época, um dos três filhos do casal, Stuart, ainda morava em casa. Hoje só os pais continuam na cidade. A filharada se espalhou pelo país e em breve a netalhada fará o mesmo. Os americanos são um povo com bicho-carpinteiro. Não sossegam o facho. Terminam o segundo grau e vão fazer faculdade longe de casa; formam-se e arrumam emprego n’outra cidade; aposentam-se, vendem a casa, compram um trailer e finalmente deixam de ter residência fixa.
Meus tios (prefiro chamar assim, primo mais velho é tio) não venderam a casa nem compraram um trailler, o que não significa que fiquem em casa quietinhos, assistindo TV e aguardando telefonema dos filhos. Vivem para cima e para baixo, indo a concertos de música, visitando parques nacionais ou simplesmente conhecendo novas cidades. Ao contrário dos velhos brasileiros que só saem do quartinho dos fundos em datas especiais, junto com o faqueiro de prata, e os albuns de fotografia, os americanos têm uma agenda atribuladíssima. Tanto que nos 3 dias que se seguiram à nossa partida de White Plains, os Waldmans (nome dos primos/tios) não poderiam nos receber por conta dos seus compromissos sócio-culturais.
Ninguém escapa. Phildelphia, que eu imaginava uma só, são dez. Também são dez as Bostons. Em geral os nomes são homenagem à terra natal, deixada no Velho Continente: York, Hampshire, Oxford, Cambridge. Alguns casos são de admiração por cidades prósperas, como Paris, Illinois, ou mesmo um desejo de exotismo tropical, como Brazil, Indiana. Outros nomes se repetem por que são funcionais, como Portland. A Terra do Porto, simples assim. No Brasil os portos são alegres, velhos, felizes e seguros. Lá são só portos.
Em certos casos a homonimía é o maior patrimônio da cidade. Que os digam os vinte habitantes da pequenina Nova York, Texas. Novaiorquinos puros, legítimos!
Mas era de Portland que eu falava. Aquela de Connecticut me interessava em especial porque vivi lá nos meus tenros quinze anos, numa espécie de intercâmbio intra-familiar. Morei por seis meses na casa d’uns primos de terceiro, quarto grau. Na época, um dos três filhos do casal, Stuart, ainda morava em casa. Hoje só os pais continuam na cidade. A filharada se espalhou pelo país e em breve a netalhada fará o mesmo. Os americanos são um povo com bicho-carpinteiro. Não sossegam o facho. Terminam o segundo grau e vão fazer faculdade longe de casa; formam-se e arrumam emprego n’outra cidade; aposentam-se, vendem a casa, compram um trailer e finalmente deixam de ter residência fixa.
Meus tios (prefiro chamar assim, primo mais velho é tio) não venderam a casa nem compraram um trailler, o que não significa que fiquem em casa quietinhos, assistindo TV e aguardando telefonema dos filhos. Vivem para cima e para baixo, indo a concertos de música, visitando parques nacionais ou simplesmente conhecendo novas cidades. Ao contrário dos velhos brasileiros que só saem do quartinho dos fundos em datas especiais, junto com o faqueiro de prata, e os albuns de fotografia, os americanos têm uma agenda atribuladíssima. Tanto que nos 3 dias que se seguiram à nossa partida de White Plains, os Waldmans (nome dos primos/tios) não poderiam nos receber por conta dos seus compromissos sócio-culturais.
Primeira Emenda
É óbvio que não resistimos. Numa tarde pegamos o trem e fomos até Nova York. Chegar tão perto e não ir seria despeito. E em algum momento, quando estivéssemos no meio do nada, ia bater um certo arrependimento.
Era domingo de Páscoa e a cidade estava abarrotada. Tinha gente escorrendo pelas paredes. Nas esquinas pequenas multidões se formavam, como se houvesse algum acidente ou pessoa atropelada, mas eram apenas pedestres esperando o sinal fechar. E brasileiros, muitos brasileiros.
Nas lojas as pessoas saíam pelo ladrão e o ladrão, se quisesse, nem conseguiria entrar. Uma das poucas tranquilas era uma tabacaria, Nat Sherman, na 5ª Avenida. Lá dentro os atendentes, todos num azedume de deixar francês no chinelo, destratavam clientes e reclamavam da música que vinha do andar de cima. Parecia que eles haviam pego o pianista da loja para cristo. A música era daquelas que tocam nos saloons dos filmes de faroeste. Tirando uns e outros deslizes, estava até divertido e o estilo estava bem de acordo com o estilo da decoração interior da loja.
O sujeito acima não parava de tocar e eles, abaixo, não paravam de fazer comentários depreciativos em alto e bom som. Eis que o pianista para, desce e vai embora, para o regozijo dos funcionários. Não resisti e segui o homem, que parou na esquina para ser consolado por uma mulher.
- “O senhor trabalha na loja?” Perguntei, preocupado
- “Não.”
- “É um cliente assíduo?”
- “Não. Entrei para dar uma olhada, vi o piano e sentei para tocar. Até a hora que não aguentei mais ser ofendido.” – explicou, com a voz embargada.
Estavam todos – os vendedores e o tocador de piano - de acordo com a Primeira Emenda, aquela que garante liberdade de expressão. E fazendo jus ao ditado “quem toca o que quer, escuta o que não quer.”
- “Eu estava gostando. O senhor toca bem.” Tentei consolá-lo
Ele, com o rosto iluminado agradeceu como se eu fosse a platéia do Carnegie Hall.
Era domingo de Páscoa e a cidade estava abarrotada. Tinha gente escorrendo pelas paredes. Nas esquinas pequenas multidões se formavam, como se houvesse algum acidente ou pessoa atropelada, mas eram apenas pedestres esperando o sinal fechar. E brasileiros, muitos brasileiros.
Nas lojas as pessoas saíam pelo ladrão e o ladrão, se quisesse, nem conseguiria entrar. Uma das poucas tranquilas era uma tabacaria, Nat Sherman, na 5ª Avenida. Lá dentro os atendentes, todos num azedume de deixar francês no chinelo, destratavam clientes e reclamavam da música que vinha do andar de cima. Parecia que eles haviam pego o pianista da loja para cristo. A música era daquelas que tocam nos saloons dos filmes de faroeste. Tirando uns e outros deslizes, estava até divertido e o estilo estava bem de acordo com o estilo da decoração interior da loja.
O sujeito acima não parava de tocar e eles, abaixo, não paravam de fazer comentários depreciativos em alto e bom som. Eis que o pianista para, desce e vai embora, para o regozijo dos funcionários. Não resisti e segui o homem, que parou na esquina para ser consolado por uma mulher.
- “O senhor trabalha na loja?” Perguntei, preocupado
- “Não.”
- “É um cliente assíduo?”
- “Não. Entrei para dar uma olhada, vi o piano e sentei para tocar. Até a hora que não aguentei mais ser ofendido.” – explicou, com a voz embargada.
Estavam todos – os vendedores e o tocador de piano - de acordo com a Primeira Emenda, aquela que garante liberdade de expressão. E fazendo jus ao ditado “quem toca o que quer, escuta o que não quer.”
- “Eu estava gostando. O senhor toca bem.” Tentei consolá-lo
Ele, com o rosto iluminado agradeceu como se eu fosse a platéia do Carnegie Hall.
Assinar:
Postagens (Atom)