sexta-feira, 20 de março de 2009

O teu cabelo não nega, mulata

“Terra de contrastes” é um termo que cabe em qualquer país e nos Estados Unidos não é diferente. Num lado existe o moralismo quase medieval, capaz de caçar bruxas e queimar livros; no outro uma indústria pornográfica pujante e, porque não dizer, latejante. A cultura do descartável, que bebe tudo em copos plásticos e joga fora televisores que ainda funcionam convive com porões são abarrotados de velharias e coleções das mais inusitadas. Numa mesma esquina, comendo um prosaico cachoro-quente podemos encontrar um prêmio Nobel e uma besta incapaz de identificar o próprio país no mapa mundi. E no meio dos politicamente corretos escondem-se sujeitos como Don Imus.

Don Imus é um canalha com firma reconhecida e lavrado em cartório. Exercita a canalhice diariamente em seu programa de rádio e TV, intitulado Imus Pela Manhã. Sendo os EUA uma democracia, todos - homossexuais, pretos, judeus, gordos, carecas ou qualquer outra categoria, seja ela tradicional vítimas de preconceitos ou não - recebem sua cota de impropérios matinais.
É popularíssimo. Os ouvintes se deliciam quando os comentários preconceituosos e mal-educados de Imus são desferidos nos outros, seja por conta de sua cor, religião, cidade natal ou tamanho do nariz. Mas dada à amplitude de sua língua ferina, eventualmente são eles próprios vítimas do canalha. Então trocam o riso cruel pela indignação. E assim o programa se sustenta, do sado-masoquismo auditivo da platéia.


Por aqueles dias houve uma final de basquete feminino, entre as universidades de Rutgers e Tennessee. Na América os esportes universitários recebem um tratamento – perdão o trocadilho – profissional , não só pela afinidade que as pessoas têm com as escolas, mas principalmente porque eles são a porta de acesso para as ligas profissionais. A peleja em questão não teve nada de excepcional, sem cesta no último segundo nem enterradas espetaculares. O que fez dele interessante foram os comentários de Imus e seus asseclas.


Para Imus a graça estava, obviamente, nas derrotadas: “E olha que são garotas da pesada, têm tatuagens e tal” – comentou. Até aí nenhum absurdo: enquanto a maioria das moças se decoram com orquídeas, beija-flores e anjinhosas jogadoras de Rutgers ostentavam verdadeiras pintura de guerra. “São hoes barra-pesada!” disse um outro comentarista. Aí é que começou o imbroglio. Hoe é uma gíria usada pelos cantores de rap para designar as mulheres. É diminutivo de whore, que significa prostituta. Algo parecido com o cachorra usado pelos funkeiros do Brasil. De uma simpatia sem limite. Assim como o termo nigger, é usado sem contrangimento pelos pretos, mas quando saídos da boca de um branco, torna-se uma ofensa descomunal. O caldo entornou de vez quando Imus, já com a verve descontrolada, vaticinou “São hoes de cabelo pixaim”. E completou: "Olha que as meninas do Tennessee são até bonitnhas...”.


A coisa se alastrou como fogo de palha. Os mais inflamados queriam chupar-lhe a carótida. O Reverendo Al Sharpton, profissional da encrenca, mobilizou manifestantes que saíram às ruas com cartazes e palavras de ordem. A turma do deixa-disso tentava apaziguar os ânimos dizendo tratar-se de apenas mais uma das estripulias politicamente incorretas de Imus. Este ainda foi a público se desculpar, meio que a contragosto. Em vão, os ofendidos ganaharam a parada e Imus perdeu seu programa. O curioso é que nada aconteceu com seu colega, aquele que primeiro chamou as moças de cachorras. Ficou a impressão que foi o comentário sobre o pixaim que nocauteou Imus. Pior que o racismo, é o preconceito estético-capilar.

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