quinta-feira, 26 de março de 2009

Mim, Tarzan

O almoço tardio era um anteparo contra a culinária maltratante de Phyllis, mas não escaparíamos do jantar. Isso nunca. Tratando-se de uma mãe judia, mesmo sem talento, seria uma desfeita sem tamanho. Chegando com o bucho cheio teríamos ao menos o álibi perfeito para fazer um prato frugal e evitar repetições.


Duas horas após deixar Mystic estácionávamos na garagem dos Waldman, que já aguardavam ansiosamente na sala de estar. A última vez que haviamos estado juntos foi oito anos antes. Junto deles estava Miss Ponko, minha professora predileta dos dias de Portland High School, que não via desde minha partida, em 1985. Predileta porque, de todos os mestres, era a única que via minhas idiossincrasias brasileiras com carinho e interesse. A professora de matemática, Mrs. Ford, tomou antipatia por mim quando na prova usei a fórmula de Bhaskara (não me olhe torto. Se você, leitor, concluiu o ensino médio, também aprendeu isso) para resolver equações de segundo grau, coisa que seus pupilos ainda não haviam aprendido. Achou que eu estava querendo aparecer. Mr. Santorini, teimava em me perguntar sobre touradas, mesmo eu sempre respondendo que no Brasil não há tal coisa. Ou estava mentindo, ou não ia nas arenas por ser um maricas, era o que seu sorriso dizia. Já o professor de educação física, Mr. Goodman, não pode conter a decepção ao perceber que eu não era a Grande Esperança Brasileira de sua equipe de futebol. Miss Ponko, ao contrário, fazia de tudo para que me sentisse integrado e estimulado. E foi com ela que produzi uma pérola do folclore estadunidense.


Era 1985 e não havia Internet. A juventude americana vivia o esplendor de sua ignorância. O Brasil era para eles um mistério completo e absoluto. Não faziam a menor idéia de onde era geograficamente, que língua falava e em que estágio civilizatório se encontrava. Perguntavam as coisas mais cândidas e idiotas. Tratavam como se fosse um lugar selvagem, onde macacos, girafas, ursos, leões e toda sorte de animal – inclusive os extintos – circulavam livremente por entre os transeuntes. Mais ou menos como nós imaginávamos (ou ainda imaginamos) a África. Eu costumava responder com invencionices, quanto maior mais os colegas se aglomeravam à minha volta, ávidos e fascinados pelos mitos tropicais. Num dia inspirado, logo após a aula de biologia, inventei uma tribo de índios que vivia na floresta amazônica, índios com três olhos - todos na cabeça, é bom notar. Miss Ponko estava por perto e confirmou a história, subestimando o potencial dos seus pupilos. Logo a fábula correu a escola e começaram a procurar a mestra para obter mais detalhes. Para evitar um estrago maior naquelas cabecinhas vacilantes, Miss Ponko achou por bem desmentir o causo. Enfrentou muita resistência por parte dos petizes.

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