quinta-feira, 14 de junho de 2007

Entre os Mortos



Marcão adora casas. Se ele fosse arquiteto ou apenas gay, tanto interesse até se justificaria. Como não é o caso, passa a ser tara. Se a Cris vasculhar sua gaveta de cuecas, ao invés de revistinhas dinamarquesas é capaz de encontrar exemplares da Casa Cláudia e Better Home and Gardens escondidas.




Quando a neve deu uma folga ele quis nos desenfurnar de sua casa - Cris precisava de um pouco de privacidade com a mãe e nós já estávamos ficando indóceis com a reclusão. Todos os passeios sugeridos envolviam a visitação de mansões e similares. Optamos por ir a Sleepy Hollow. Um vilarejo bucólico e sonolento, lugar inimaginável de se encontrar a meia hora de Nova York. A cidadezinha é famosa por seu cemitério onde descansam eternamente figurões como Andrew Carnegie, Walter Chrysler e William Rockfeller, entre outros. Além de defuntos célebres , abriga a lenda do cavaleiro sem cabeça, que serviu de inspiração para o filme de Tim Burton intitulado – adivinhem? - A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça.



Os magnatas estão enterrados num local magnífico, com suaves elevações, muitas árvores e um riacho que serpenteia languidamente o cenário, terminando seu trajeto no Rio Hudson. As lápides brotam sutilmente do gramado impecável e os mausoléus familiares erguem-se como imponentes monumentos. É tão arborizado que faz às vezes de parque. Famílias passeam, crianças brincam de pique e casais namoram. Os mais resolvidos podem até fazer um salutar piquenique sem parecer mórbido. Não, não, piquenique já é um pouco demais.



É uma paisagem tão agradável que os abastados não se incomodam de construir suas residências nas proximidades. A gigantesca propriedade dos Rockefeller,Kykuit , é contígua ao cemitério, onde William - que junto ao irmão John fundou um dos impérios empresariais mais famosos do mundo - está enterrado. William poderia muito bem estar enterrado não próximo, mas dentro do terreno dos Rockefeller. Ora, o sujeito construiu a casa, morou lá por toda a vida, porque não passar a eternidade no seu local predileto? Por que o sujeito, depois de morto, não pode mais desfrutar do convívio com os seus? Vira um inconveniente, despachado para passar a eternidade junto de completos desconhecidos e receber apenas de duas a três visitas por ano. Mandar um velho senil para o asilo é até compreensível, mas o morto não dá trabalho nenhum. Fica ali, decompondo-se em silêncio, servindo de adubo. É claro que não precisamos construir túmulos no quintal ornados por estátuas de anjos chorando e santas sofrendo. Mas não vejo nada de errado em enterrar o parente ao pé do limoeiro ou sob o jardim de antúrios, crisântemos e gardênias.


sábado, 2 de junho de 2007

Nova York, mas que nada!


Marcão é uma das maiores fuguras que conheço. Estudamos juntos na faculdade. Dono de uma visão do mundo peculiar e autor de frases memoráveis, tem uma personalidade contagiosa. Depois de algumas horas em contato com ele você se vê repetindo suas expressões com o mesmo falso sotaque caipira e o maxilar dolorido de tanto rir. Entra ano e sai ano, as piadas, frases e comentários são os mesmos e o mais incrível é que continuam funcionando. O mérito é justamente esse. Num mundo que muda tanto e cada vez mais rápido, Marcão é uma das poucas certezas absolutas. Um conforto para a alma.

Quando da nossa viagem, Marcão trabalhava para uma multinacional e, por conta disso, estava alocado em White Plains, lugarejo distante 45 minutos de Nova York, e lá morava com sua mulher, Cris, e o filho, Érico. Sabendo da nossa viagem, nos convidaram para ficar em seu apartamento, o que seria uma ótima base para atacar Nova York sem se engajar com os altos custos de hospedagem da Grande Maçã. Acabou sendo tão agradável passar os dias com nossos amigos expatriados que mal fomos à cidade, o que não chegou a ser uma perda sensível. Trata-se de uma das cidades mais incríveis do mundo, sem dúvida. Só que não pertence mais aos EUA, já ganhou vida própria e está além de qualquer classificação, e o objetivo da jornada era conhecer melhor os Estados Unidos. Ademais, Nova York não nos seria novidade.

Tiramos o feriado da Páscoa para falar das novidades e relembrar as mesmas histórias de sempre. Ficamos em casa. Lá fora nevava, Cris estava completamente absorta no gerenciamento do pimpolho e White Plains também não justificava um passeio. Naquele mesmo dia D. Cida, mãe da Cris, estava de chagada marcadaentão resolvemos presenteá-los, com uma lauta refeição brasileira, a base de arroz, feijão e farofa, produzida com esmero enquanto Marcão buscava a sogra e Cris corria atrás do petiz.

Nossas iguarias foram ofuscadas pela esfuziante chegada de D. Cida, que veio do brasil trazendo consigo um repeitável lombo de bacalhau do Porto. Virou, é claro, a atração. Como D. Cida passou pela alfândega com o perfumado acepipe, é um mistério. Deve ter sido tomada por uma turista européia de hábitos higiênicos duvidosos.

Comer comida brasileira no exterior, feita em casa, tem um significado simbólico, algo que vai além do conforto do paladar e da digestão. É estar em território brasileiro, como pisar dentro da embaixada. Nelson Rodrigues dizia que a gente só gosta daquilo que comia quando criança. Emendo e faço minha versão: só nos sentimos no Brasil com a nossa comida, nosso tempero.


Ah, a imagem acima é do Érico. Sua identidade está sendo preservada de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. E para ninguém colocar quebrante no menino.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Entrelinhas

Eles dizem isto:



Mas querem dizer isto:




quarta-feira, 30 de maio de 2007

Cabeças Pensantes. Ou não.

O meu maior entusiasmo em conhecer a Filadelfia estava no fato de eu ter sido concebido e gestado lá, enquanto meu pai fazia seu doutorado e minha mãe assistia televisão. Quer dizer, a concepção em si certamente foi num momento de mais intimidade.Fui então à Universidade da Pensilvânia, onde meu pai estudou. Já que não deu para ver o local da minha pré-infância, meu ante-berço, pelo menos poderia conhecer onde metade do meu material genético foi produzido.

O bairro merece mesmo o nome de University City. Hospeda os campi tanto da U of Penn quanto da mais discreta Drexel, o que, além de ser uma oportunidade de mostrar que sei o plural de campus, dá ainda mais vigor ao ambiente acadêmico.

Quando se vê as universidades nos filmes americanos têm-se a impressão que são locais separados do resto da cidade. Não necessariamente. As da Filadelfia, por exemplo, estão totalmente inseridas no tecido urbano, sendo margeadas pela Market St., a principal rua da cidade. No passado o rio servia de separação, mas com o tempo a cidade cresceu e englobou tudo.

A Drexel é menor e menos importante academicamente. Em compensação seu símbolo é um dragão, o que é muito mais bacana do que o brasão da outra. Certamente suas festas são mais divertidas. Mas a estrela é a U of Penn, que juntamente com Yale, Harvard e outras escolas fazem parte da Ivy League, o supra sumo da elite universitária americana. Os prédios das escolas e residências estudantis se espalham por diversas quadras, permeadas por lindas praças e gramados.





E a livraria! Eu estudei na USP e as livrarias de lá eram simplórias. A da Drexel também é acanhada. Mas da U of Penn é uma Barnes & Nobles (uma cadeia de mega-livrarias) completa, com dezenas de milhares de títulos. Sessões especiais onde só há livros de professores da universidade. E um cantinho com os livros dos professores que já ganharam Nobel. É aquilo que nós vulgarmente chamamos de “primeiro mundo”.

sábado, 26 de maio de 2007

São Sylvester


Do jeito que eu descrevo, Filadelfia parece dispensável para o viajante. Confesso que me deixei influenciar pelos desafetos, como W.C. Fields, que nasceu lá e queria escrito na lápide de sua última morada “Melhor Aqui do que na Filadélfia”. Mas não é bem assim. A cidade tem seu méritos. O pedágio, por exemplo, é pago só para entrar e não para sair da cidade.
E tem mais: o Museu de Arte da Filadélfia, por exemplo, é fantástico. Parece uma versão compacta do Metropolitan de Nova York, inclusive com as armaduras medievais, esfinges egípcias e outras seções que tornam o “Met” tão completo. Ser menor acaba sendo uma virtude pois permite que se veja o museu inteiro em um só dia, sem ter que apertar o passo e olhar as obras de relance.


No entanto, o museu tem uma coisa perturbadora. Junto às suas escadarias encontra-se uma estátua em bronze do Rocky, o lutador, impávida tal qual um monumento equestre. Com direito até aos mais honrosos cocôs de passarinhos.


Tudo bem que a cultura pop seja uma das principais contribuições americanas ao patrimônio humano e que talvez o cinema a represente como nenhuma outra manifestação artística. Mas de tantos personagens marcantes, é de se espantar que nenhum outro pudesse representar a cidade e ser motivo de orgulho além do senhor Balboa. Se Rocky é o guardião do Museu de Arte da Filadélfia, nada mais natural que Conan, o Bárbaro, seja o governador da Califórnia...

Grande Pequena Cidade


Filadelfia é a cidade que podia ter sido e não foi. Berço da Declaração de Independência e da Constituição, acabou perdendo para a recém criada Washington a honra de ser a capital da nova república. Chegou a ser a maior cidade da América do Norte, mas a vizinha Nova York tomou-lhe o posto. Isso sem contar o ressentimento por Benjamin Franklin, personagem símbolo da cidade e um dos pais da nação, que apesar de seu papel de destaque não chegou a ser presidente. Por tudo isso a cidade acabou ficando meio ruim das idéias.


O centro da cidade tem arranha-céus e edifícios com fachadas imponentes, mas localizados em ruas com nomes provincianos, como Walnut e Chestnut. Os carros trafegam impacientes, buzinando em congestionamentos de apenas 3 quadras. E apesar da atmosfera cosmopolita, ainda cultiva hábitos tacanhos. No centro antigo – área que está sendo revitalizada pelo turismo – a quase totalidade dos restaurantes fecha às 9 da noite. Num deles, um bistrô com ares modernos, chegamos às 8 e meia e pedimos uma mesa. O gerente falou que não sabia se seria possível, dado o avançar das horas, e foi consultar o dono. O sujeito reagiu indignadamente, como se eu tivesse sugerido algo beirando o pornográfico. Coisa que eu deveria ter feito em resposta.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Phillies-o-sofando


Na segunda-feira tivemos que devolver o carro e precisamos sair com duas horas de antecedência. Motivo: iríamos passar pelo estádio de beisebol, onde os Phillies, time local, deu início à temporada jogando contra os Atlanta Braves. O jogo foi às 3 da tarde e duas horas antes o trânsito já começava na alça de acesso ao estádio. Casa cheia.
Os Phillies perderam de 5 a 3. Mas nem tudo está perdido. Se existem 44.000 pessoas que, em plena segundona, no meio da tarde, abandonam seja lá o que estivessem fazendo para passar 3 horas assistindo a um jogo de beisebol, tomando cerveja e comendo cachorro-quente, ainda existe esperança para a sociedade americana.

10% não obrigatório


No túmulo de Benjamin Franklin, enterrado na Christ Church - a uma quadra do hotel em que nos hospedamos - as pessoas jogam moedas, assim como fazem nos chafarizes ou fontes. Para os americanos, qualquer reservatório de água não potável é uma potencial Fonte dos Desejos. Mas no túmulo de Franklin, afora algumas poças, não havia nada que justificasse as moedas. Seria uma espécie de gorjeta pelos serviços prestados?

Favor usar a entrada de serviço

Tal qual um supositório, entramos pelos fundos da Filadelfia. O problema não foi olfativo, e sim passar pelos detritos e rejeitos da cidade. A periferia oeste é uma vizinhança repleta de prédios abandonados, janelas lacradas por tábuas de madeira e móveis destruídos nas calçadas. Uma paisagem de vídeo clip de rap, aqueles que terminam com uma carnificina envolvendo turistas estrangeiros. Mas afora estar numa das mais violentas regiões dos EUA e correr o risco de voltar para o Brasil num pijama de madeira, não fiquei tão impressionado. É, sem dúvida, uma comunidade pobre. Mas uma pobreza de primeiro mundo, com casa, saneamento básico, fornecimento de energia, até automóvel. Nada de 15 pessoas dividindo um quarto em um barraco insalubre feito de caixa de papelão, roubando eletricidade da rede pública e crianças circulando por córregos onde não há ratos porque eles não aguentaram a sujeira.

O pobre brasileiro dá de dez no americano!

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Momento Wonka


No último dia fomos até Hershey, cidade sede da fábrica de chocolate com o mesmo nome. A julgar pelos logradouros como Chocolate Road e Cocoa Avenue, restam poucas dúvidas sobre quem manda na cidade. A empresa é um símbolo nacional e criou uma estrutura de entretenimento gigantesca, no melhor padrão Disney: são parques aquáticos, de diversão, hotéis, um zoológico, shows de música, encenações teatrais e queima diária de fogos de artifício. Além disso existe a Cidade do Chocolate – a única atração que visitamos – parque temático que conta a história da fábrica e mostra o processo de produção da guloseima. A visão das altas chaminés de tijolos e o letreiro em neon faz qualquer um se lembrar da Fantástica Fábrica de Chocolate, mas sem os Umpa-Lumpas, o que tira todo o erotismo do cenário. Depois de ter o cérebro bombardeado com incessantes imagens e aromas de chocolate somos desembarcados – por coincidência, imagino eu - dentro de uma gigantesca loja de chocolates. Mesmo não gostando dos chocolates Hershey, que tem um retrogosto de estrume, fomos pavlovianamente enchendo uma cesta com as guloseimas, que provavelmente nos farão companhia até o final da viagem.
Mas não fomos até Hershey pelo chocolate. O objetivo era um jogo de hóquei no gelo entre o time local e os Sound Tigers de Bridgeport. Era um jogo da AHL, uma espécie de segunda divisão do esporte. Além de ter os ingressos mais baratos, costuma ser mais divertido, já que os atletas são menos estrelas e o clima do estádio é mais familiar.

Melhor do que o jogo foi o comportamento da torcida. Nunca vi rebanho tão obediente. O placar mandava apoiar o time, eles gritavam ensandecidamente. Mandava vaiar o adversário e virava um “búúú” uníssono (porque aqui, o “bú” não é só onomatopéia. Eles vaiam assim mesmo). Sem os comandos do placar, ficavam todos assistindo ao jogo com um olhar bovino, só faltando a baba elástica. Terminamos o jogo empanturrados de gols – foram 11 no total, 6 do time local e 5 do adversário, sendo que o de desempate marcado a 40 segundos do fim. Nós de gols, o resto do público de pizzas, cachoros quentes, amendoins, pipocas, sorvetes e demais quitutes consumidos com voracidade nos dois intervalos da partida. Hóquei dá uma fome danada.

Tema da Redação: Férias na Fazenda

Das quatro noites em Lancaster, decidimos que uma seria hospedados numa fazenda. Nada parecido com os hotéis-fazenda do Brasil, aqui são propriedades produtivas, que tiram o sustento da terra, a maioria produzindo leite e derivados. Em geral são casais mais velhos que vivem em grandes casas e cujos filhos ou moram em outra cidade, ou estão na faculdade ou enterrados no porão, depois de sacrificados durante um ritual religioso. Enfim, há quartos desocupados, que acabam por gerar uma renda extra.

Imaginei que seria uma boa oportunidade para interagir com as pessoas locais, dividir a mesa durante o jantar, depois ouvir sentados junto à lareira o patriarca contar histórias da guerra, com o cão labrador deitado em nossos pés e enquanto a matriarca prepara uma torta de cerejas frescas. Antes de dormir seríamos surpreendidos pela boa senhora trazendo copos de leite e cookies para garantir um sono tranquilo. E, na manhã seguinte sairia bem cedo com o velho para caçar patos ou raposas, e quando chegássemos no ponto mais alto da propriedade ele iria apontar para o horizonte e, com a voz embargada dizer: “sabe, filho, isso tudo vai ser seu um dia...”.

Com exceção dos cadáveres no porão, foi tudo diferente. Acabamos ficando numa fazenda cujos donos já haviam morado no Brasil, para onde foram como missionários religiosos. Cássia adorou poder falar português, coisa que eles faziam muito bem. Fomos recebidos com a costumeira cordialidade local, mas sem muitas delongas ou salamaleques. Nada de jantar em família, nem leite com cookies. Apenas um quarto limpo, frio e com vizinhos desconhecidos. E os fantasmas dos pobres jovens esquecidos no porão.

Na manhã seguinte, enfim um momento de comunhão. Todos os hóspedes – nós dois, um outro casal de idosos missionários e uma mulher com sua filha pré-adolescente – nos juntamos aos proprietários para um lauto desjejum, com direito a uma oração agradecendo a comida (apesar dela estar incluída na diária), dissertações individuais sobre quem éramos e o que estávamos fazendo ali e um breve recital de piano da jovem, que certamente não seguirá carreira musical. O anfitrião falou de seus dias no Brasil e teceu loas a Raul Seixas, de quem é fã incondicional, principalmente da música “Como Vovó já Dizia”, ignorando por completo o que Raulzito queria dizer com “quem não tem colírio usa óculos escuros”. Achei por bem não explicar o contexto. Fomos embora depois de ver os filtros Mellita, as latas de leite condensado, sacos de Café Pelé e outras preciosidades da culinária brasileira.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Jeitinho Brasileiro

Apesar de toda carga rural e religiosidade anacrônica, a cidade de Lancaster tem competência urbana. Bons restaurantes de cozinha internaconal, bares animados e charmosos cafés. Uma universidade e onze faculdades (duas de cosmetologia, curiosamente), trazem o vigor e a agitação juvenil necessários e graças a isso foi possível tomar cerveja na cidade sem parecer um devasso fora da lei.

Um dos edifícios históricos mais importantes é o Mercado Central, que diariamente reúne a miríade de pequenos produtores rurais – Amish inclusos – oferecendo seus produtos frescos. No sábado nos juntamos aos moradores e outros turistas para fazer nosso brunch no mercadão. Chegamos nos finalmentes e muita coisa começava a rarear. Uma das bancas vendia bagel com cream cheese. Pedi dois mas a atendente disse que o bagel havia acabado. Perguntei então se ela poderia passar o queijo em outro pão. Ela me olhou como se eu tivesse pedindo algo sofisticado “Se você comprar o outro pão, acho que sim”. Escolhi o sourdough, pão de massa azeda que aqui é onipresente e eu adoro. Enquanto ela passava, sua colega de banca perguntou o que era aquilo. “Este simpático rapaz brasileiro teve a idéia de passar o cream cheese em outro pão, já que o bagel acabou. Não é uma idéia brilhante?”
- Claro! - disse a outra. - Podemos até oferecer para outros clientes!
- É mesmo!
- Alto lá – tive que interromper a redescoberta da América – vocês podem vender sim, desde que chamem isso de Pão Brasileiro, já que a idéia foi minha.

Elas toparam. Minha mãe tinha razão: eu sou mesmo um gênio.

Porno-Geo-Grafia


Os nomes das cidades americanas são um capítulo a parte. O condado de Lancaster é também conhecido com Dutch Country – algo como Terra Holandesa. Mas de holandês há quase nada, porque o Dutch na verdade é uma corruptela de Deutsch, que quer dizer Alemão. Então temos vilarejos chamados Strasburg e Sudersburg, que dividem espaço com nomes bucólicos, como Paradise (Paraíso) e Bird-in-Hand (Pássaro-na-Mão). Mas o meu preferido é Intercourse (Intercurso). Como pode uma região tão casta, tão cristã, ter uma cidade chamada "penetração"? O melhor seria Fornication, certamente soa mais bíblico.

E pensando melhor, com Intercourse ao seu lado, Bird-in-Hand já não sôa tão inocente assim...

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Amish Total



De todos os grupos religiosos incomuns, o mais famoso – e curioso – é o Amish. Para quem nunca ouviu falar, basta ver o excelente filme A Testemunha, com Harrison Ford, no papel de Harrison Ford. Os amish são avessos à tecnologia, não usam eletricidade, motores ou telefones. Tudo o que pode facilitar a vida é rejeitado, pois enfraquece a alma e a família. O negócio é vida dura, pegar no batente quando o galo canta e dar duro até o fim do dia, sem direito a Dreher, que desce macio e reanima. Rapadura is sweet but is not soft, no.





Atos de vaidade também são proibidos, por isso vestem-se de maneira simples, sem quaisquer alegorias ou adereços. As roupas são todas iguais o que deve causar grandes confusões nas lavanderias coletivas, mas certamente economiza tempo na hora de escolher o modelito pela manhã. Os espelhos também são proibidos, só uns bem pequeninos, usados pelos homens para aparar a barba sem ficar parecido com o Edward Mãos de Tesoura. A preocupação é tanta que as bonecas das menininhas não têm rosto, o que deve causar mais pesadelos do que melancia à noite e palhaço a qualquer hora.


Apesar de não se misturarem – não frequentam nenhuma igreja e até as crianças não frequentam a escola convencional – os Amish não conseguem viver totalmente à parte da sociedade. Compram suas necessiades nos mercados e precisam destes para escoar sua produção de hortifrutigranjeiros. Para os comerciantes é uma maravilha, passam a ter um produto diferenciado e que, verdade seja dita, é de qualidade. O problema são as aberrações. Os hotéis com o nome de Recanto Amish, Cantinho Amish e Amish Palace, restaurantes que servem refeições com receitas Amish, reproduções de fazendas Amish e representações teatrais do animadíssimo cotidiano Amish. Depois de tudo isso, você acaba dando graças a Deus que eles são reclusos.


O maior símbolo Amish é o buggy, uma pequena carruagem fechada de dois lugares, puxada por cavalos. Eles trafegam normalmente pela direita e muitas vezes acabam atrasando o trânsito. Ninguém buzina, obviamente. Tolerância é tudo em Lancaster.

Pai de Todos


Se existe um lugar que deixa Deus atordoado é Lancaster. Não que seja uma Sodoma, uma Gomorra. Longe disso, trata-se de um rebanho comportadíssimo, exemplar. Não bebem, não fumam, não jogam e mesmo assim são alegres e sorridentes. O problema é que, no condado como um todo, são 422.000 almas divididas em 662 igrejas de 56 denominações religiosas distintas. Um verdadeiro bufê de fé. Mesmo para um ser onipresente deve ser difícil agradar a tantas expectativas diferentes. Às seis da tarde o altíssimo deve entrar em pânico, entrando e saindo do camarim, trocando de figurino, repassando o texto com os arcanjos, retocando a maquiagem. Antunes Filho ficaria com os olhos rasos d’água de tanta emoção.

A culpa é toda de um senhor chamado William Penn, fundador da então província, agora estado da Pensilvânia. Penn era Quacker, uma sociedade religiosa que além de fazer aveia pregava a tolerância religiosa e a recusa total em pegar armas para lutar, qualquer que fosse o objetivo. Quer dizer ser Quacker é uma excelente maneira de escapar do exército sem precisar dar uma caixa de uísque para aquele amigo do seu pai, que é tenente-coronel da Artilharia. Pois bem, ao fundar a província, Mr. Penn convidou todos os rejeitados da Europa para sua terra de liberdade do outro lado do Atlântico. Levou judeus, hugnotes, menonitas, amish, luteranos, enfim, todo mundo que se sentia perseguido. É de se espantar que a família do técnico Emerson Leão não estivesse no pacote.

Hoje o número de religiões e denominações é muito maior do que antes. Além de outros párias terem migrado para lá, alguns grupos sofreram dissidências. Como boa parte é extremamente conservadora, cada vez que surgia uma novidade discutia-se a adoção ou não. Quem não concordava fazia suas trouxas e fundava uma nova religião. Existem então grupos praticamente iguais, mas enquanto um pode tomar refrigerante, o outro não pode. E existe um terceiro que pode, desde que não seja diet. Se chamam, respectivamente Pentecostal Evangélico reformista, Pentecostal Evangélico Carismático Independente e Pentecostal Evangélico Ortodoxo Ma Non Troppo. Uma salada.

terça-feira, 8 de maio de 2007

É a logística, estúpido!

Voltamos para Filadelfia apenas para trocar de carro e rumar para o interior da Pensilvânia. Ainda no Brasil, nosso plano era comprar um carro usado e vendê-lo no final da jornada. Mas sem ter Social Security, o equivalente ao nosso CPF, fica difícil fazer seguro do veículo. Daí pensamos em alugar um carro para toda a vigem. Mas, como no início iríamos passar muitos dias em cidades grandes, ele iria se tornar mais um fardo do que uma benção. Trafegar nos grandes centros é complicado, os estacionamentos custam uma fortuna e as vagas são escassas. Ademais, toda cidade de porte possui excelente sistema de transporte público. Optamos, portanto, por alugueis esporádicos.

Nesta perna Pensilvaniesca, fomos agraciados com um Ford Focus branco, modelo taxi, novo em folha. Odiei. Vou confessar uma coisa: detesto cheiro de carro novo. Sei que vai soar como leve pederastia, mas é um aroma que me dá náuseas e dor de cabeça. Prefiro um carro usado, devidamente desodorizado. Deve ser resquício dos dias difíceis que meu povo passou. Sabe como é, mais fácil tirar a pessoa da pobreza do que tirar a pobreza da pessoa.

Como rota,optamos pelas estradas secundárias. As grandes rodovias são rápidas, eficientes, cheias de paradas completas, com postos de gasolinas, hotéis e cadeias de fast-food. Mas a paisagem é sempre a mesma, um panorama maçante, pasteurizado. Já nas vicinais passa-se por dentro das pequenas cidades e pelas áreas rurais, mais lento porém infinitamente mais enriquecedor. Em todos os aspectos, já que não há pedágios.

domingo, 29 de abril de 2007

Sinalização I


Proibido fazer malabarismo com caminhões a mais de 25 MPH

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Em plena segunda feira, só havia alguns turistas de férias e aposentados. Muitos, centenas de velhinhos. Hordas de senhoras de cabelo lilás e senhores de andar vacilante. Velhinhos de todos estados. Alguns até em estado inicial de decomposição.
Falando assim parece que tenho algo contra idosos. Nada mais longe da verdade. Só não gosto de viajar em avião cheio deles. Vai que chegou a hora da maioria? A Morte resolve fazer um rapa para economizar tempo e quem estiver no mesmo vôo acaba fazendo parte da excursão para o além.

Os velhinhos de Atlantic City não querem nem saber disso e passam o dia enfurnados nos cassinos. Jogam sem medo do amanhã. Mas não parecem se divertir muito, perdem e ganham com a o mesmo ar anestesiado, com a mesma resignação bovina. Obviamente perdem muito mais do que ganham. Afinal o cassino precisa pagar também precisa pagar suas contas e remunerar os acionistas. Mas ao contrário dos mais jovens, que realmente acreditam poder resolver sua vida numa mesa de poquer, os coroas parecem que jogam para perder. Mais ou menos como torcer para o Botafogo, uma coisa beirando o masoquismo. Uma senhorinha nos perguntou no elevador quanto havíamos perdido. “Desde que chegamos, 20 dólares” respondi com uma ponta de mau-humor. Ela olhou com um ar de total desprezo e disse “Só isso? Hoje já perdi mais de 500!” Isso porque ainda estávamos descendo para tomar o café da manhã! Até o final do dia essa frágil senhora já teria torrado as mensalidades da faculdade de um dos netos. Velha desalmada.

Por fora, bela viola.



À distância Atlantic City é deslumbrante, uma versão menor de Las Vegas – ou melhor, aquilo que eu imagino ser Las Vegas, já que ainda não chegamos lá. Os gigantescos edifícios, com seus luminosos coloridos deixam o céu incandescente. Se algum dia um avião se espatifar contra um prédio em Atlantic City, podem ter certeza que foi de propósito.


De perto a história é bem diferente. Fora dos cassinos reina um ambiente soturno e depressivo. A verdade é que Atlantic City foi um dia a praia preferida dos abastados até que, depois da Segunda Guerra, foi trocada por outros points. Em 1977, na tentativa de devolver-lhe os dias de glória, o estado aprovou a instalação dos cassinos. Nada como jogo, drogas e prostituição para trazer a alegria de volta a um balneário tristonho.


Os cassinos trouxeram sim os turistas, mas não quiseram dividí-los com a cidade. Fazem de tudo para que as pessoas não saiam às ruas. Dentro há lojas, restaurantes, bares e, obviamente, um imenso cassino. O Tropicana, por exemplo, se deu ao luxo de pintar seu teto de azul com nuvens brancas e iluminar de maneira que pareça sempre um fim de tarde. Quer dizer, nunca é tarde nem cedo demais para torrar seu rico dinheirinho.


É claro que sempre sobra uma rebarba para o restante do comércio e pequenos hotéis, mas não o suficiente para animá-los a fazer reformas e benfeitorias. Os cassinos são ilhas de diversão no meio do marasmo decadente, lascas de sabor no pão bolorento que é o resto da cidade.

Tão longe de Deus, tão perto de Nova York...

Atlantic City fica em New Jersey. Para quem não sabe, New Jersey é o estado mais esculachado dos Estados Unidos. Apenas a menção de seu nome já causa um sorriso maroto no interlocutor. É notório que quem mora em New Jersey é chato, as paisagens são chatas, tudo de um tédio mortal. É um estado de coma.

Para revidar, o jerseyanos transformaram Atlantic City, um pitoresco balneário, em uma infernal cidade de cassinos. Mas não adiantou nada. O pessoal de Nova York e da Filadelfia, os maiores consumidores da diversão de Atlantic City consideram a cidade como sua e continuam a tratar o estado com o desdém de sempre. Se antes New Jersey era o sujeito mais ridicularizado do bairro, agora é como se além disso sua filha desse para todo mundo.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Mantendo o bom desempenho dos fundos no longo prazo

Eles até se esforçam, tadinhos. Mas têm uma dificuldade enorme em temperar os alimentos. Exceção feita aos restaurantes finos, cuja comida realmente merece este nome, o resto dos estabelecimentos vende uma gororoba até visualmente excitante, mas com um sabor padronizado de isopor. Então, para que nossas papilas gustativas despertem do sono profundo e participem da refeição, eles enchem a comida de pimenta. Tendo o México como vizinho, pimenta aqui é o que não falta.

Sempre carreguei comigo a imagem dos americanos sofrendo após a feijoada, o acarajé, o vatapá. Como então eles aguentam tanta pimenta? O papel higiênico, oras! Existem uns papéis tão macios e suaves que parecem fios de algodão egípcio, tecidos por mocinhas virgens ao som de Jesus Alegria dos Homens.

Louvado seja.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Êxodo 20:2-17

Para chegarmos em Atlantic City, saindo de Baltimore, foi preciso um pequeno exercício de logística: um metrô para chegar no centro de Baltimore, um táxi para chegar na estação de ônibus, o ônibus até a Philadelphia e o metrô até a locadora de automóveis, para então seguir rumo ao destino final. Era a opção mais em conta. Afinal “Economizarás Cada Centavo” é um dos mandamentos que estava na terceira tábua, que Moisés deixou cair no chão. É o meu mandamento predileto, juntamente com “não perderás a piada”.

Imaginava que a viagem de ônibus seria numa máquina nova, moderna, confortabilíssima. Ledo engano. O veículo tinha, por baixo, uns vinte anos. Sei que manter um ônibus antigo com as peças originais tem seu charme vintage, mas acho recomendável trocar a suspensão e os amortecedores de tempos em tempos. No entanto o pessoal da Greyhound não compartilha da mesma opinião. Dava para sentir cada ondulação da pista, por mais sutil que fosse. Um motorista cego seria capaz de dirigir em braille.

Momento cultural



Pérola do falso cognato: de acordo com D. Cássia, era para ter dobrado à esquerda na Coca-Cola Doctor...

A gente não quer só comida


O povo aqui adora juntar coisas. É claro que itens de baixo valor agregado, como televisores, geladeiras, sofás e filhos desobedientes são descartados sem nenhum remorso. O resto fica. Em pouco tempo coleções vão se formando nos sotãos e porões da América. Quando trata-se da coleção de algum sujeito montado na grana, ao invés de ser motivo de disputa entre os herdeiros vira museu.

É o caso do Walters Art Museum, em Baltimore. Dos 28.000 itens do museu, 22.000 foram adquiridos por Walter pai e Walter filho. São obras de arte, porcelanas, jóias, relíquias do mundo antigo, móveis, borboletas e animais empalhados. Bugigangas de gente rica para entreter as visitas enquanto a janta não fica pronta.
E a entrada custa exatos 0 dólares, mais ou menos 0 reais no câmbio de hoje.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Quem veio primeiro?

O brasileiro chama seu próprio orgão sexual de pinto, enquanto o americano nomeia o seu de galo (cock). No que vem a dúvida: será que eles querem convencer ao mundo e a si mesmos que o deles é maior que o nosso; será que realmente é maior; ou será que o deles só canta pela manhã enquanto o nosso pia o dia todo?

Para pensar na cama.

About Timore

Baltimore fica a poucos quilômetros de Washington e foi fundada logo depois desta, pegando a rebarba dos fatos históricos que ocorriam na recém parida capital - o que se comprova pela quantidade de monumentos e suntuosos prédios públicos. Mas a mesma proximidade acabou também sendo sua cruz, já que a maioria dos turistas dá preferência a Washington, fazendo pouco caso da simpática vizinha. Caiu em depressão, passou um período macambúzia, chorando pelos cantos. Se lhe oferecessem sobremesa, era capaz de recusar. Até seu time de beisebol, os Orioles, deixou de dar alegria.

Um dia Baltimore sacodiu a poeira e deu a volta por cima. Seguiu a fórmula infalível que se usa aqui nestas bandas: pegue a área mais interessante da cidade, faça uma grande praça de alimentação, coloque um Hard Rock Café e uma livraria – no caso a Barnes & Noble – e pronto! Não requer prática tampouco habilidade.

Foi o que fizeram com o Inner Harbor, na região central. De lambuja Baltimore ainda recebeu o Aquário Nacional, imenso. Vivem lotados. Os Orioles também foram presenteados com o Camdem Park, um estádio moderno mas construído no estilo retrô dos mais tradicionais ballparks da América. Uma beleza. No entanto continuam não dando alegrias.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Só Preto Sem Preconceito


Na última noite em Washington resolvemos jantar naquela que é uma das regiões mais badaladas da cidade. A U Street – berço de Duke Ellington – já havia experimentado dias de glória, mas depois da morte de Martin Luther King foi palco de violentíssimos confrontos entre a polícia e a comunidade negra. Acabou caindo em desgraça e viu as famílias e o comércio procurarem freguesias mais seguras. Mas o tempo cura inclusive as feridas urbanas e a década de 90 trouxe o renascer da U Street.

Hoje a rua é salpicada de simpáticos restaurantes e bares, todos com a mesma aparência confortável e cardápio semelhante. Um inferno para os indecisos. Apesar do horário da vida noturna de Washington ser flexível, o frio não é amigo das baratas tontas. Felizmente, enquanto olhávamos o cardápio do Jojo’s, um sujeito vaticinou: “Este é o melhor lugar. Se vocês não gostarem eu pago a conta”. Ora, nada melhor do que uma noitada com hedge.

De fora tive a impressão que fosse uma casa frequentada apenas por negros. Na minha cabeça brasileira, orgulhoso do nosso suposto cadinho de raças, americano adora uma discriminação: branco só anda com branco, preto com preto, amarelo com amarelo. Como fomos convidados, entramos. Qual não foi minha surpresa ao ver um público etnicamente eclético. Na mesa ao lado um branco, um negro e um sikh - com seu indefectível turbante - dividiam uma garrafa de uísque. O mais curioso foi que, quando a banda começou a tocar, as moçoilas caucasianas eram as mais entusiasmadas, dando gritinhos e dançando sensualmente no minúsculo salão, enquanto as afro-americanas pareciam tomar chá com a rainha.

Paguei a conta. Fazer o que?

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Vai uma casa aí?


Vai morar agora ou quer que embrulhe?

O Graal de Hollywood

A duas quadras do hotel encontramos uma igreja da Cientologia. Para os desavisados, é a religião do John Travolta, Tom Cruise e outros incautos. Foi criada pelo mais prolixo escritor de ficção científica de todos os tempos, L.Ron Hubbart. O “L” É abreviação de Lafayette, o que por si só já faria do assunto motivo de chacota.

Fomos guiados por Bunny, uma hostess com nome de poster central da Playboy mas silhueta digna de Sea World. Nos explicou tudo com aquele olhar fascinado dos recém convertidos. Ouvimos uma das centenas de diferentes palestras que compõem o credo cientologista. Para nós, brasileiros, foi narrada em português. De Portugal. O que Bunny não sabe é que qualquer coisa falada com a pronúncia lusitana soa como piada.

Resumindo, trata-se de auto-ajuda transformada em religião. E com uma pitada de subversão. Para se ter uma ideia, Bunny tirou os dois filhos da escola para educá-los na verdade da Cientologia. Antes eles tinham notas baixíssimas, e agora têm QI acima de 130, uma beleza.

Lair Ribeiro, morra de inveja!

domingo, 1 de abril de 2007

Impurina

Na semana do dia 20 de março, os assuntos que mobilizaram a América foram a descoberta de veneno de rato na comida dos animais de estimação e a misteriosa morte de Anna Nicole Smith, aquela loura de fartos seios que ficou famosa por casar-se com um milionário 60 anos mais velho. Casamento que durou apenas alguns meses, pois o sujeito não aguentou o tranco e bateu as botas.

Fizeram o recall de 60 milhões de embalagens de ração, e até agora foram confirmadas as mortes por envenenamento de 16 gatos e cachorros, sem contar Anna Nicole.

Adeus Abeba

Na região de Adams Morgam tem não um, mais vários restaurantes de comida etíope. Justifica-se: em Washington e arredores vivem mais 50.000 imigrantes vindos do país africano. Um restaurante etíope soa contraditório, algo como uma estação de esqui em Sergipe. Mas como um deles estava cheio e a viagem tem cunho exploratório, entramos.

A comida veio num balaio com o fundo coberto por um pão redondo. Nada de talheres, apenas mais alguns discos do mesmo pão foram trazidos para que pudésemos pegar as iguarias com a mão. Não sei se pão é o termo certo para a coisa. Tratra-se de uma massa mole, esponjosa, cinza e com um ligeiro odor acre. A coisa que mais se assemelha a ele é um pano de chão. Usado é claro. Nunca coloquei um pano de chão na boca, mas a sensação não deve ser muito diferente. De resto a comida até que não é má, os temperos lembram muito a culinária indiana. Mas precisamos recorrer ao prestimoso auxílio de uma garrafa de Cabernet da Califórnia para dar conta do recado e amenizar o sofrimento.

Para resolver o problema da desnutrição na Etiópia, esqueçam a Cruz Vermelha. Mandem os Padeiros Sem Fronteira.

Por 10 Dólares Furados

Num fim de noite resolvi comprar umas garrafas d’água mineral. Mesmo sabendo que a água das torneiras é potável, o bom senso recomenda minimizar riscos. A uma quadra do hotel havia uma drugstore. Para quem não sabe, drugstore é um misto de farmácia, supermercado e loja de departamento. O supermarket, por sua vez, é uma combinação de supermercado, loja de departamento e farmácia. E as Department Stores unificam os serviços de loja de departamentos, farmácia e supermercado. Acho que me fiz entender.

Pois bem, depois de pegar as águas, o pistache que estava em promoção e mais algumas miudezas a preços imperdíveis, fui ao caixa e lá atendido por um sorridente funcionário – o que já levantou suspeitas. A compra totalizou 6 dólares. Entreguei uma nota de 10 e o sujeito registrou na caixa como se eu tivesse dado 20 e o troco, ao invés de 4, seria 14. Assim que percebeu o equívoco, colocou as mãos na cabeça e disse “Oh meu deus, errei!”. Para evitar que a situação fugisse de controle, prontamente me ofereci a trocar a nota de 10 por uma de 20, e assim facilitar o dilema matemático em que o pobre homem havia se colocado. Mas era tarde, o pânico já havia se instalado e ele precisou chamar o gerente para resolver o imbroglio. Sem esboçar nenhuma reação, o gerente apenas mandou o caixa me dar 4 dólares e esquecer o assunto.

Não é à toa que os Estados Unidos são a terra das oportunidades. Até os lobotomizados encontram emprego nesta grande nação.

The book is on the table

Kramerbooks. Belíssima livraria, diferente das grandes cadeias como Borders e Barnes & Nobles. Com café, restaurante, música ao vivo à noite, decentíssima seleção de cervejas e carta de vinhos honesta. Mas, numa de minhas visitas, o Olodum emanava dolorasamentedas caixas de som.

Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que ouvem.

sexta-feira, 30 de março de 2007

O silêncio que não quer calar


Duas coisas chamaram minha atenção na visita à Casa Branca. Primeiro foi o fato de só haver um único carro de polícia na frente da residência mais importante do país, e dentro dele apenas um solitário e convencionalmente armado policial. A outra foi Conchita.

Concepcion Martin Picciotto, a Conchita, montou acampamento na calçada defronte à Casa Branca em 1984, e desde então não arredou o pé de lá. Minto: assim que tomou posse, George W. Bush, num ato brutal, covarde e anti-democrático, obrigou Conchita a fixar residência na calçada oposta, do outro lado da rua. Um monstro desalmado, este sujeito.

Conchita está lá para protestar contra a política externa norte-americana. Espanhola de nascimento, poderia ter retornado à terra pátria para reclamar da temperatura das tortillas ou da pífia campanha do Real Madrid. Mas seu sangue quente e espírito contestador exigiam algo mais importante.

“E como ela protesta?” – vocês hão de me perguntar. Andando de um lado para o outro, empunhando cartazes e bradando palavras de ordem? Jogando ovos e tomates contra a fachada da Casa Branca? Cuspindo por entre as grades e amaldiçoando o presidente? Nada disso. Conchita fica sentada, o dia todo. Quieta, muda.

Trata-se de um protesto silencioso, passivo. Pode não ter a estridência que muitos desejam, mas é um protesto nobre. Eu mesmo sou fervoroso adepto do gênero. Ontem protestei silenciosamente contra os altos impostos, a fome mundial e o preço da gasolina. Hoje me excedi e até emiti um grunhido contra o monopólio da Microsoft.

Mas voltemos à Conchita. No dia da minha visita ela estava como em todos os outros, sentada em um banquinho que mal se via, debaixo de mudas e mais mudas de roupas, xales e mantas. Lançava um olhar perdido, daqueles que atravessam tudo e todos e alcançam o infinito. O ar resignado dava uma qualidade barroca à dilapidada senhora.

Ela está convencida de que George Bush invadiu o Iraque por causa do petróleo. Não posso imaginar de onde ela tirou esta idéia tão arrojada e inédita. Acredita também que ele sabia do ataque de 11 de setembro e que foi tudo uma grande farsa. Enquando entoava sua cantilena, percebi que sobravam apenas uns parcos dentes em sua boca. Imagino que perdeu os outros de tanto rangê-los em seus protestos introspectivos.

Sua assessoria de imprensa organizou um respeitável clipping das matérias sobre o protesto, veículados em todas as partes do mundo e que Conchita mantém num arquivo dentro da tenda. Sua organização, a Vigília Anti-Nuclear na Casa Branca Pela Paz é mantida por ela, Concepción, e por W.Thomas. A ausência de W. Thomas na tenda e nas reportagens leva a crer que ele é o Venture Capitalist e, enquando escrevo estas mal traçadas linhas, deve estar promovendo a abertura de capital da operação. Money makes the world go’round, baby.

Estação...Aeroporto

O metrô, que no Brasil é um luxo para poucas metrópoles, aqui está disponível em muitas cidades com menos de 1 milhão de habitantes. E em quase todas você consegue chegar no aeroporto de trem, sem trânsito, por preços módicos. Não dá para achar ruim.
O sistema de transporte coletivo de cada cidade americana tem suas idiossincrasias. Em Washington, por exemplo, a tarifa varia de acordo com a distância percorrida. O problema é que assim que você se vê dentro da estação, não tem a menor ideia do que e de como fazer. Felizmente uma Autoridade de Trânsito, devidamente uniformizada e com emblemas respeitosos, logo percebe seu ar abobalhado vem ao seu socorro. Eficientemente, mas sem delicadeza e excesso de cortesia que é para não te acostumar mal.

Desembarque, portão 9

É sempre excitante chegar em outro país. A princípio até as coisas ordinárias ficam especiais. O carpete do aeroporto tem um charme especial. O ar, um cheiro diferente. Até os gases do escapamento dos carros têm sua graça.

No início da primavera, a grama do vizinho parece sempre mais verde.